A lembrança foi quando, à noite, cansado de correr, parei pra assistir um jogo, um futebol, como tantos que joguei e assisti, nas ruas, nas calçadas, nos campinhos de várzea. E veio a danada da nostalgia a fazer cafunés, a lembrar do gosto doce da liberdade soprando no rosto, da adrenalina inflando os pulmões, da energia sempre renovada, do eterno correr atrás do adversário, da bola, do gol. Dos tênis imundos, rasgados. Da blusa puída, esquecida de lado, preparo pro frio. Do esperar pela próxima partida. Dos cabelos molhados, do suor. Daquele gosto salgado, distante, pequeno, querido... de felicidade. E foi então que me lembrei: na verdade, mais assisti jogos que joguei. Era sempre o último a ser escolhido.
22.12.08
Romântica lembrança
20.12.08
A história contada pelos independentes

lá v. pode encontrar pessoas hardcore, como o cara que edita este zine bacana:

Mas v. não imagina que encontrará caras com quem conviveu por meses sem nunca dizer que tinham uma publicação de mais de cinco, seis anos. E v. começa a se perguntar por que as pessoas são tão modestas e recatadas.

Abrindo-lhe as páginas, porém, v. entende tudo. Há coisas escritas que não se fala.
19.12.08
Se isto fosse um diário não seria diário. Paciência. Há dias que não merecem ser escritos. Mas estes, que a partir de agora viverei, sim! São as férias. Doces, chegando serenas, prometendo dias de ócio, de festas, de sol, de cervejas, amigos e felicidade. Tomar umas biritas, pegar umas minas, ir para o meio do nada, lutar contra elementos naturais, embriagar-se com cheiro de árvores, brigar com insetos, arriscar a vida ao mar, fatigar o corpo e libertar a alma. Sentir falta de dias eneblinados, cimento, automóveis, eletricidade... E, depois, voltar pra cidade, pras pilhas de papel, pras nuvens de fumaça, e achar tudo isso nossa casa. Nossa rotina, nossa prisão. Em cujas paredes criamos imagens de liberdade.
17.12.08
Sapatadas

É singular o caso da sapatada no Bush, lá no Iraque. Não pela sapatada, mas pelo que ele disse depois: "Tudo que eu sei é que era número 41" (citado de memória). Saiu-se bem. E não me parece ser típico dele esses ditos espirituosos. Mas ditos espirituosos é que são tudo, embora tenham se perdido.
Ao que consta, na corte portuguesa eram muito comuns. Havia lá pessoas especialmente selecionadas, para tirar de cada situação, num relance genial, ao calor do momento, uma frase que fizesse rir ou pensar. Vez ou outra ressurge esta prática.
Conta-se, a respeito de Jânio Quadros, que, num debate, depois de muito ofender seu adversário, foi ele surpreendido pela reação algo inusitada da vítima, que tomando a palavra pôs-se de pé e declarou, em tom de pouco caso: "Pode falar. Fale. Que as suas palavras entram por um ouvido e saem por outro." Ao que Jânio imediatamente demoliu: "Impossível. O som não se propaga no vácuo."
5.12.08
Dias bem conturbados por aqui. Pela primeira vez em muito tempo, hoje, veio-me uma sombra que é mais uma premonição do futuro – fique a redundância –, e trazia um não-sei-quê de arrependimento, esquecimento e solidão. E tive a impressão que andei desperdiçando meu tempo nos últimos anos, ou pior, desperdiçando minha vida na última década. Sem tempo para decisões novas e corretas. Sem luz para essa sombra que tornará tudo realmente, e de fato, perdido.
Enquanto caminhava, pensando nisso, levantei lentamente os olhos num longo suspiro, olhei o céu e vi. Algumas folhas verde-escuras, das árvores mais altas, um céu bem cinza, escuro, de fim de tarde, vi o que queria ver. E, vendo, como um castigo, percorreu-me a nuca a assombração do inferno, uma coisa muito sutil, aqui-invisivelmente-ao-seu-lado, arrepiante, trazendo de volta o som de pessoas, de carros, de realidade. Um estado de prisão voluntária, de algemas invisíveis, de constante autoflagelamento e recriminação, obrigação a coisas indesejáveis, prazer comprado a desprazer, luta por sobrevivência, vontade de chorar, raiva, dúvida, medo e predomínio cego da razão. Ainda me arrepio só de lembrar.
16.11.08
.
Se a verdade um dia se escrevesse
Nas pedras da longuíssima estrada
De tanta solidão e dor, e cada
Desejo de outro mundo, e a angústia desse...
Se toda a gente que triste vivesse
Pudesse caminhar, já conformada,
Nas ruas solitárias, rumo ao nada,
Nas mortas letras tortas que relesse...
Em vez das gargalhadas costumeiras,
Das frases desornadas, desordeiras,
Somente se ouviria o som do frio
Leitor – agricultor que explora, lavra,
Nos indolores campos da palavra,
A distância, o silêncio, o vazio...
.
30.10.08
Novas pedagogias
Professora é acusada de incitar agressão a criança de 5 anos
Mãe de garoto diz que docente de escola no Distrito Federal segurou os braços do filho e pediu que colegas dessem tapas em seu rosto
Uma briga entre crianças de uma turma de jardim de infância levou ao afastamento de uma professora de educação infantil, ontem, no Distrito Federal. Segundo alunos, após dois meninos se desentenderem na aula, a professora recorreu à violência para punir um dos garotos: chamou um deles à frente, segurou os braços da criança para trás e pediu que os demais colegas dessem tapas no rosto do menino, de cinco anos.
***
O fato positivo é que, finalmente, o agredido agora não é o docente. E, por isso, atitude correta. Boa professora.
27.10.08
Sobre o acordo ortográfico II
1. As seqüências consonânticas, descritas na "Base IV", que ora se conservam, ora se eliminam, ora se facultam, o que pode gerar dúvidas exatamente na facultatividade entre "ato" ou "acto". Afinal, para nós brasileiros não há dúvida que a primeira grafia é correta; a dúvida é se podemos corrigir um cabo-verdiano dizendo que a segunda é errada.
2. O hífen em compostos, locuções e encadeamentos vocabulares, descrito na "Base XV", mais precisamente no artigo primeiro, onde se diz que "certos compostos, em relação aos quais se perdeu, em certa medida, a noção de composição, grafam-se aglutinadamente: girassol, madressilva, mandachuva, paraquedas, paraquedista, etc." O problema é que neste ou deste "etc." a gente pode enfiar ou excluir o que quiser.
3. O hífen nas formações por prefixação, recomposição e sufixação, da "Base XVI". Esta seção parece bem bonitinha, com exceção de um prefixo: o sub. Antigamente, o uso impunha hífen antes de r ou b. Agora, o acordo elimina totalmente, gerando anomalias fonéticas, como subreptício ou subregião (nada impedirá a leitura deste "bre" como sílaba), ou gráficas, como subbase ou subbosque.
Agora, uma coisa seja dita: o sr. Carlos Alberto Ribeiro de Xavier tinha razão, e muita razão, ao se irritar. Muitas dúvidas vêm de quem não leu bem o texto do Acordo ou, na pior hipótese, não estudou bem gramática. Os capítulos que tratam da acentuação estão perfeitos. Apesar disso, ainda há quem queira ver pêlo em ovo, como a Folha, que hoje disse:
O acordo diz que perdem o acento os ditongos "ei" e "oi" de palavras paroxítonas, como "idéia" e "jibóia". No entanto, existe hoje uma regra que determina que paroxítonas terminadas com "r" tenham acento. O que fazer com "destróier", que se encaixa nas duas regras?
Se eu fosse o Xavier, diria: "Gente, eu não vejo dificuldade nisso aqui também não... Se antes "destróier" se encaixava em duas regras, agora vai ser regido só por uma, catapimbas!"
20.10.08
Porque ainda em 2008 chegam-nos rastros da apropriação das idéias darwinianas para solidificar preconceitos e rascismos seculares. E justificar a opressão. Nunca é demais lembrar, dizia hoje um meu professor de literatura, que foi graças a um certo valor positivo, maquiavelicamente agregado ao povo europeu pelo viés darwinista, que se construiu o eurocentrismo, conceito eterno que nunca se derruba.
– A Terra é redonda, naturalmente. Apesar disso, nos acostumamos a ver o mapa sempre pela mesma perspectiva, com a Europa ao centro, acima e sobre a África. O que, embora pareça, não é natural. E ensinamos isso nas escolas. Essa mesma semelhança com a naturalidade permitiu que os europeus repartissem a África a golpes de esquadro sobre o mapa, definindo as fronteiras dos atuais países – Egito vai até aqui, Sudão começa ali, Argélia acaba acolá –, em linhas retas, irreais, feridas da régua. O que, sem Darwin, teria sido feito, sim; mas não com tanta naturalidade.
13.10.08
Sabe se ele é casado?
10.10.08
Um outro cinco de outubro
Mas, quando fui ver, em Santo André é pior: 16% de brancos/nulos, ou seja, 74.000 votos jogados fora. Se a gente junta as abstenções, já lá se vão mais de 150.000 pessoas que decidiram não votar: 32% dos eleitores.
Em São Paulo, perto de dois milhões escolheram a mesma coisa. É pra se pensar em nossa tal democracia.
5.10.08
Cinco de outubro
E sem ver a própria vida. Que, apesar de tudo, segue. Segue a vida. Já não tão gostosa e divertida.
27.9.08
A arte e a literatura dos livros ensebados

No mês do centenário da morte do "mulato sabido", diria Oswald de Andrade, o Memorial de Aires veio a calhar. Uma obra menor se comparada aos clássicos, vá lá. Mas nela está sempre o Machadão, provocando leitor, pena e papel. E dizendo, assim, despretenciosamente, idéias que, mesmo novas, sua caligrafia faz parecer sempre terem existido. Ainda bem que não terei o trabalho de grifá-las desta vez.
Se na compra de livros usados ganhamos algo, superior à mísera economia do vil metal, a substância desse lucro pertence à esfera dos substantivos incontáveis, tal é a beleza que se nos vende por cinco, dez, quinze reais, não mais. Mas, mesmo incontável, é uma beleza peculiar essa, a das histórias das leituras marcadas nas margens. Sempre tive, tenho, terei preguiça de pensar, embora admire o ato. Então, se encontro anotações marginais, fico duplamente satisfeito, pela leitura feita e a interpretação roubada. Sei que a confissão é íntima, teclado, mas quase ninguém nos lê. Além do que, já sabemos: não se perde nada em parecer mau; ganha-se quase tanto como em sê-lo.
15.9.08
Um morimbundo René, n'As invasões bárbaras, diz que conhecer a História vendo como fomos piores é bom para nos acalmar. Só não diz qual remédio para o enjôo que cotidianamente nos consome, levados pelos caminhos lentos da humanidade, limitados pelas horas rápidas da vida, incrédulos das veredas passadas, descrentes das trilhas futuras, chateados pelas cores cinzentas e paradas da paisagem.
6.9.08
Uma nação, um país e um povo
Sendo assim, não precisamos discutir temas pioritários. Sendo assim, de uns tempos para cá, nos altos poderes que nos dominam – altos, porque inacessíveis – não se fala de outra coisa senão da ilegalidade dos grampos telefônicos pela polícia. E a imprensa, tal como sempre, não diz o que deveria ser dito: que essa reação aos grampos nada mais é que uma extensão da reação ao uso de algemas; que, naturalmente, quando um grupo se sente ameaçado, reage e, mesmo se essa reação é ilegal, buscam-se meios de legalizá-la; mas que, nesse caso, como o grupinho é criminoso e minoritário, não se deveria, em função deles, legalizar nem ilegalizar nada. Mas a gente vai fazer o quê? São eles quem fazem as leis. Eles são a Lei.
É óbvio que o cidadão comum está muito pouco preocupado com grampos telefônicos. Principalmente porque não teme quase nada. O que mais teme o cidadão comum é cair na malha fina. E aqueles que a gente conhece, que conforme o caso caíram na malha ou abraçaram o leão, e são agora obrigados a pagar em multas cinco, dez, dezoito mil, de acordo com sua particular desgraça, a gente não consegue censurar essas pessoas. Como convencer um assalariado de que sonegar imposto faz mal ao país? Não. Não. Não faz. Não, perto do imposto sonegado pela corporação que lhe paga salário; não, perto de formação de quadrilha, tráfico de influência e evasão de divisas; não, perto do constante, diverso e eficaz lobby, que representa democraticamente o interesse de todos, com exceção do povo.
E, assim, os legisladores, a imprensa, o cidadão comum e a gente – cada um a sua maneira, mostramos individualmente como pudemos, em termos éticos, abandonar a idéia de um projeto de nação. Se é que algum dia tivemos um.
30.8.08
27.8.08
Conclusões
A segunda é que, também lá, assistindo a uma palestra sobre a questão indígena (e, afinal, como ficou o caso da raposa-serra-do-sol?) com Daniel Munduruku e Mércio Gomes, esqueci de pegar o certificado e olharam desconfiado pra mim na escola. Essa coisa de hoje darem diploma até pra curso de noivos, aliada à necessidade de fazer curriculum, acabou gerando um complexo de Rabugento em todo o professorado. Agora, ao se saber de uma palestra, não se pergunta mais qual o tema. A curiosidade sobre a medalha, medalha, medalha vem primeiro.
25.8.08
20.8.08
Diálogos psicodélicos reais do ensino fundamental I
Professora – Vamos ficar na fila para receber o lanche!
Aluninhos – Blá-blá-blá, blá-blá-blá, blá-blá-blá.
Professora (em tom mais alto) – Olha a fila para receber o lanche! Não cutuca a coleguinha!
Aluninhos – Blá-blá-blá, blá-blá-blá, blá-blá-blá.
Professora (brava, em tom mais alto) – Espeeeraí, não é pra andar ainda, mocinha!
Aluninhos – Blá-blá-blá, blá-blá-blá, blá-blá-blá.
Professora (irritada) – Paciência, nós já vamos!
Aluninha (desatenta) – Prô, nós vamos pra onde?
Professora (suspirando e falando bem devagar) – Olha, nós vamos pra Lua.
Aluninha (maravilhada) – Uuuuuaaauu! (vira pra coleguinha de trás, risonha e saltitante) – Você viu? nós vamos pra Lua!!! Vamos entrar no foguete!!! Êeeebaaa!!!
Coleguinha (desapontada) – Aaahhh, mas eu queria mesmo era ir pra praia...
11.8.08
Educação, comunicação e democracia brasileiras
Aos poucos, crianças e adolescentes tomaram a casa. Na prática, a administração é hoje protagonizada por mais de 70 jovens. A cidade passou a sofrer o impacto das ações. Criou-se uma cooperativa mista dos pais e amigos da casa, a fim de explorar o potencial turístico em pousadas, cantinas, serviços de transportes etc.
A tecnologia de comunicação ali criada resultou em criação de jornal, editora, museu, grupos de teatro, música e uma rádio comunitária FM. De meia em meia hora, o noticiário da cidade é produzido e apresentado pelas crianças. Criou-se também uma TV. Cinco cidades da região passaram a sintonizar o canal local, até que... três semanas depois, a polícia federal bate à porta e indaga quem seria o responsável por "aquilo". Francisco Alemberg de Souza, idealizador da fundação, foi processado pela justiça federal. E, desde 2000, quando a Anatel lacrou o transmissor, tenta conseguir dos órgãos governamentais autorização para pôr no ar a TV comunitária.
30.7.08
Intervalo
– Você... não é minha professora...
– Muito bonito: beliscando o coleguinha menor!
– Você não é minha professora.
– Ah, e ainda por cima é petulante, não?
– E você NÃO é minha professora!
22.7.08
19.7.08
Dercy no Céu
Dercy boa
Dercy sempre de bom humor.
Imagino Dercy entrando no céu:
- Abre logo, hein, féla-da-puta!
E São Pedro bonachão:
- Entra, Dercy. Você não precisa pedir licença.
17.7.08
FAQ – Risco de prisão no Brasil
1. Se eu encher a cara, dirigir irresponsavelmente, derrubar uma passarela e indiretamente causar uma morte, a polícia pega?
Pega.
2. E se eu contratar lobistas para traficar influências com senadores e deputados federais?
Não pega.
3. Tomar apenas algumas cervejas, ficando pouco acima de seis decigramas por litro de sangue, sem cometer crimes enquanto dirijo?
Pega.
4. Oferecer assessoria jurídica utilizando informações priviligiadas fornecidas por correligionários do alto escalão federal?
Não pega.
5. Voltar para casa, depois de tomar duas taças de vinho, dirigindo tranqüilamente?
Pega.
6. Criar centenas de empresas para despistar crimes contra o sistema financeiro, gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro e tráfico de influência?
Não pega.
7. E, se eu não tiver escrito no vidro traseiro que "há um seqüestrador e um refém neste carro", mesmo que eu seja o refém, a polícia me pega?
No Rio, pega.
8. Subornar um delegado da PF com um milhão de reais para ser excluído de investigação sobre corrupção, evasão de divisas, sonegação fiscal e formação de quadrilha?
Não pega.
9. E se, na defesa do patrimônio público e das divisas nacionais, eu expedir mandado de prisão contra banqueiros, ex-prefeitos, doleiros, lobistas e laranjas?
Pega. Mas, além de eles ganharem instantaneamente habeas corpus, com a ajuda do STF v. vira réu pouco depois.
10. Recusar-me a usar bafômetro?
Pega.
11. Recusar-me a usar algemas?
Não pega.
15.7.08
4.7.08
Lei Seca causa nojo em toda a sociedade
"Mas por que, então, dá um certo mal-estar não poder mais tomar duas taças de vinho no jantar e dirigir de volta para casa?"
Sérgio Costa, jornalista.
"A lei é problemática e eu não tenho dúvidas de que o Judiciário vai derrubá-la."
Hédio da Silva Júnior, ex-secretário de Justiça e professor de Direito.
"É demagógica, anti-social, excessivamente draconiana e inconstitucional."
Percival Maricato, diretor Jurídico da Abrasel.
"Uma medida malfeita e que pode ser contestada judicialmente."
Delegado Tabajara Novazzi Pinto, diretor da Academia de Polícia Militar de São Paulo.
"Não há crime sem condução anormal. (...) O direito penal atual é dotado de uma série de garantias, como a ofensividade, que consiste em exigir, em todo crime, uma ofensa concreta ao bem jurídico protegido. (...) A prisão em flagrante de quem dirige normalmente é um abuso patente, que deve ser corrigido pelos juízes. Em síntese, quem está bêbado (com qualquer quantidade de álcool no sangue), mas não chega a perturbar a segurança, não está cometendo crime. Logo, não pode ser preso em flagrante."
Luiz Flávio Gomes, professor doutor em direito penal, ex-promotor e ex-juiz.
"Ô... quélo é beber nezza porra, carai!"
Seu José, bêbado.
27.6.08
Manifesto
Quando deveria aparecer o maldito lobby dos comerciantes e industriais, não aparece. E fica a questão: deve-se respeitar uma lei com a qual não se concorda. Ou melhor: essa lei será respeitada, ou será apenas mote para atos generalizados de pequenas e cotidianas corrupções. A tradicional prática do suborno talvez ganhe terreno. A extorsão armará campanha nos arredores das casas noturnas. E, outra vez, tudo terá sido mudado para não mudar nada.
De um modo ou de outro, pra mim fica bem claro que aquele que descumpre leis e busca meios de não ser punido, será um corrupto, se sua transgressão comprovadamente causa males. Porém, será íntegro, se descumpre leis consciente de que tal transgressão não infringe a lei maior chamada Ética. Talvez, para se livrarem da culpa e da pecha infamante de corruptos, muitos precisem virar anarquistas. Mas, pelo menos, conscientes da sua integridade, os corruptores poderão finalmente libertar-se dos grilhões que até então os amarravam à vergonha. Ora, uni-vos.
20.6.08
Crítica às críticas à educação brasileira
E sinto raiva dos professores. Porque poderiam fazer greve sem levar o injusto rótulo de causadores de trânsito na avenida paulista. Porque poderiam ser mais criativos. Porque poderiam ser mais unidos. Porque poderiam ser todos bons profissionais, e não são. Porque os bons, dadas as condições de trabalho, só conseguem ser medíocres; e os maus, dado o desleixo do poder público, aproveitam-se de todas as brechas possíveis – inclusive faltas abonadas – para serem nada.
O governo erra (ou acerta), quando: 1) centra na figura do professor o problema da educação; 2) pune os maus e os bons indistintamente. Primeiro, muito antes do professor, a má qualidade do ensino é efeito do fracasso da cultura brasileira, da família e da nação. Criança que não vê pais lendo não vai ler nunca. Família que não acompanha rendimento escolar educa o filho a desvalorizar a escola. País cujas escolas não têm porteiro, nem giz, nem livro, nem carteira, nem limite de alunos por sala, nem salário decente nem profissionais satisfeitos não chega nunca a ser nação. Segundo: a existência de maus professores na rede só mostra a incompetência do Estado e de todos. Do Estado, porque a dificuldade em demitir um professor concursado-porém-inepto não faz dele o culpado do fracasso escolar: o real culpado é o criador ou o mantenedor deste sistema enferrujado. De todos, porque se ineptos chegaram a concursados é porque um amplo arranjo social desencorajou os aptos ao magistério. Por fim, o governo erra, se seu objetivo é o bem-comum. Mas acerta, quando seu objetivo é o bem de uma parcela insignificante, mas poderosa, interessada na manutenção de status quo, dominação política, concentração de renda, ignorância do povo e infelicidade geral da nação.
9.6.08
Vou comprar um Nintendo Wii.
28.5.08
17.5.08
Sobre o acordo ortográfico
E como me permitiram faltar ao trabalho, na última quarta fui assistir a uma palestra da Câmara Brasileira do Livro, que, preocupada com suas editoras, promoveu um encontro sobre o novo Acordo Ortográfico. Que é uma óbvia manobra para ampliar o mercado editorial, e não muito mais além do lucro. Sem prejuízo de ser isso o principal, convenci-me de que também resolverá outras coisas, a saber, delicados incidentes diplomáticos (como escrever ao fim de cada reunião uma "ata" e uma "acta") e educacionais (como os que ocorrem em Timor-Leste, onde a concorrência de professores portugueses e brasileiros nas escolas, utilizando simultaneamente uma e outra grafias, tem confundido bem a cabecinha dos timorenses).
O tal Carlos Alberto Ribeiro de Xavier começou a palestra desculpando-se por ser economista, não ser gramático e não poder tirar dúvidas especificamente ortográficas. Estava ali apenas para traçar um panorama mais geral, apontar justificativas, falar sobre aspectos jurídicos e programáticos etc. Lá pela metade da palestra, quando aconteceu a quinta pergunta inconveniente e gramatical, o sujeito irritou-se: pegou o calhamaço com as novas regras e foi dizendo "Gente, eu não vejo dificuldade nisso aqui não...", e foi passando as páginas, apontando o que parecia óbvio. Donde se conclui que também não é bom desagradar quem está trabalhando.
12.5.08
Um poema de Joaquim Pessoa
Agora, o que eu particularmente não gosto é esta coisa de cantar "sem ter nada na goela". Ô coisa chata. E eis como chegamos ao poema temperamental de Joaquim Pessoa (que não é mais um heterônimo do Fernando, com eu pensei no início).
Poema Temperamental
(Joaquim Pessoa)
Ó caralho! Ó caralho!
Quem abateu estas aves?
Quem é que sabe? quem é
que inventou a pasmaceira?
Que puta de bebedeira
é esta que em nós se vem
já desde o ventre da mãe
e que tem a nossa idade?
Ó caralho! Ó caralho!
Isto de a gente sorrir
com os dentes cariados
esta coisa de gritar
sem ter nada na goela
faz-nos abrir a janela.
Faz doer a solidão.
Faz das tripas coração.
Ó caralho! Ó caralho!
Porque não vem o diabo
dizer que somos um povo
de heróicos analfabetos?
Na cama fazemos netos
porque os filhos não são nossos
são produtos do acaso
desde o sangue até aos ossos.
Ó caralho! Ó caralho!
Um homem mede-se aos palmos
se não há outra medida
e põe-se o dedo na ferida
se o dedo lá for preciso.
Não temos que ter juízo
o que é urgente é ser louco
quer se seja muito ou pouco.
Ó caralho! Ó caralho!
Porque é que os poemas dizem
o que os poetas não querem?
Porque é que as palavras ferem
como facas aguçadas
cravadas por toda a parte?
Porque é que se diz que a arte
é para certas camadas?
Ó caralho! Ó caralho!
Estes fatos por medida
que vestimos ao domingo
tiram-nos dias de vida
fazem guardar-nos segredos
e tornam-nos tão cruéis
que para comprar anéis
vendemos os próprios dedos.
Ó caralho! Ó caralho!
Falta mudar tanta coisa.
Falta mudar isto tudo!
Ser-se cego surdo e mudo
entre gente sem cabeça
não é desgraça completa.
É como ser-se poeta
sem que a poesia aconteça.
Ó caralho! Ó caralho!
Nunca ninguém diz o nome
do silêncio que nos mata
e andamos mortos de fome
(mesmo os que trazem gravata)
com um nó junto à garganta.
O mal é que a gente canta
quando nos põem a pata.
Ó caralho! Ó caralho!
O melhor era fingir
que não é nada connosco.
O melhor era dizer
que nunca mais há remédio
para a sífilis. Para o tédio.
Para o ócio e a pobreza.
Era melhor. Com certeza.
Ó caralho! Ó caralho!
Tudo são contas antigas.
Tudo são palavras velhas.
Faz-se um telhado sem telhas
para que chova lá dentro
e afogam-se os moribundos
dentro do guarda-vestidos
entre vaias e gemidos.
Ó caralho! Ó caralho!
Há gente que não faz nada
nem sequer coçar as pernas.
Há gente que não se importa
de viver feita aos bocados
com uma alma tão morta
que os mortos berram à porta
dos vivos que estão calados.
Ó caralho! Ó caralho!
Já é tempo de aprender
quanto custa a vida inteira
a comer e a beber
e a viver dessa maneira.
Já é tempo de dizer
que a fome tem outro nome.
Que viver já é ter fome.
Ó caralho! Ó caralho!
Ó caralho!
30.4.08
27.4.08
Senti-me culpado por ter me tornado alguém insensível: em vez de gozar o momento, imaginei que as estranhas vibrações que me balançavam a mesa fossem obra de espíritos, e, não obstante, segui trabalhando despreocupadamente.
21.4.08
Apostas para a sucessão municipal
Além de Carneiro, existem ainda as candidaturas do PSDB e do PT: Diniz Lopes e Oswaldo Dias, respectivamente. Carneiro conta com o apoio do atual prefeito. Lopes tem a seu favor o saldo político de uma gestão interina em 2005, quando, como presidente da câmara, assumiu o executivo enquanto a Justiça não definia o resultado das eleições. Dias possui um legado de 8 anos de mandato, entre 1997 e 2004, quando o PT obteve aprovação popular significativa.
Problemas: o primeiro tem reprovadas pelo TCE as contas relativas a 2005, quando esteve à frente da Sama, autarquia municipal responsável pelo saneamento básico; o segundo também tem rejeitadas as contas da Câmara referentes a 2006, quando voltou a comandar o Legislativo; o terceiro tem reprovadas as contas da prefeitura pelo mesmo órgão.
Em conversa recente com um vereador petista, ouvi uma queixa mais ou menos assim: “o problema do PT, e mais urgente, do Oswaldo, é que nós temos formado muitos militantes, muitos intelectuais, muitos administradores e legisladores. Mas não formamos quadros para atuar no Judiciário; seria bom que não houvesse uma brecha de representação em tão importante espaço; não para que, com isso, o PT fosse favorecido, mas sim para que não fosse injustiçado.” E falou dos diversos casos de promotores e juízes que só querem saber de ferrar o PT.
É fato que Leonel Damo tem muita influência no Poder Judiciário. A cassação em 2004 da candidatura de Márcio Chaves (PT), seu principal concorrente, e a posterior batalha judicial provam isso. Um ano depois, Márcio Chaves enfiava o rabo entre as pernas, esgotados todos os recursos, e Leonel Damo era diplomado, ganhando tranqüilamente a prefeitura mesmo sem ter tido a maioria absoluta dos votos. Um escândalo que a população mauense não quis ou não pôde perceber.
A considerar isso, Vanessa Damo, se herdou a habilidade política do pai, incluindo a arte de trocar favores e traficar influências, conseguiu por meios judiciais derrubar todos os seus adversários, criando assim um grande vácuo político. Resta saber o que o pai deve a Francisco Carneiro para enganá-lo de tal forma, apoiando-o publicamente e, nos bastidores, derrubando-o.
7.4.08
A escola como instrumento de inibição do pensar
(Matthew Lipman. O pensar na educação. Petrópolis, Vozes, 1995, p. 22, apud: Evandro Ghedin. Ensino de Filosofia no Ensino Médio. São Paulo, Cortez, 2008, p. 68)
Ainda que pensemos que este declínio é próprio da adolescência, fase caracterizada pelo não-pensamento, não-imaginação e desinteligência, ainda assim... não dá pra não sentir vergonha da escola. E pena das crianças que passarão por ela.
30.3.08
Sonhos
Horas mais tarde, já passada toda a sorte de curiosos, já passada a ambulância, já removido o cadáver, chega a polícia. E eu lá, na boa, esperando. Vem três pm's, um mais velho atrás, e à frente dois mais novos, incuindo uma pm. É ela quem fala comigo primeiro, "Sua carta, cidadão", o bastante para causar no mais velho um ataque. "Você me mata de vergonha! Quantas vezes já falei pra pedir a CARTEIRA DE HA-BI-LI-TA-ÇÃO! Carta é o caralho!" A moça ouve submissa, e tenta outra vez mudando comigo o linguajar. Enquanto entrego os documentos, o mais velho vira-se para o lado e desta vez quer explodir. "Que diabos v. está fazendo aí??!!" E só então percebi que o mais novo estava a escrever no meu capô uma carta, contendo meus direitos, e já chegava à parte em que tudo o que eu disser poderá e será usado contra mim.
E acordei pensando esquisito no que quereria dizer meu sonho, na dúvida entre tomar mais cuidado com motoboys, não beber antes de dirigir, ou voltar a escrever cartas, que há tempos não mando nem ganho. Fazer um post talvez seja a melhor escolha, afinal, das tarefas, a menos trabalhosa.
18.3.08
Fernando Sabino
Mas o pior de tudo mesmo é pensar que naquele dia pouco se falou dele. Todo mundo só falava da morte do Christopher Reeve.
13.3.08
9.3.08
Consumo
– ... ainda mais com essa nova tecnologia Sound Reality, que proporciona sons muito mais nítidos e profundos! – dizia a seus colegas de trabalho.
Passou os dias seguintes vigiando o produto, navegando de loja em loja virtual, comparando preços, atento a promoções-relâmpago... Duas semanas depois foi encontrado em frente ao computador dando gritos histéricos e arrancando os cabelos:
– Já diminuiu 1.000 reais! Em uma semana! 1.000 reais! E continua baixando... há dias o preço está em queda! Eu vou esperar... eu espero... posso esperar... um dia vou tê-lo, se vou! O que vocês querem é que eu compre logo, agora, já, mas não... Vocês pensam que eu tenho necessidade, que é essencial pra mim, que preciso dele, mas não: eu NÃO preciso! Posso esperar dias, meses, anos... a vida toda!
E seguiu atento à desvalorização do produto.
6.3.08
Após um curto silêncio, um aluno, de 12 anos, de olhar curioso, de testa duvidosa, de pele negra, sentado na primeira fila, levanta timidamente o braço e pergunta com hesitação:
– Então, professor... se eu for pego tirando xerox de livro... eu... posso ser preso e ir pra Febem?
3.3.08
26.2.08
19.2.08
Sobre as restrições ao tabaco
Estas leis podem até ser justas, podem até reduzir o consumo, mas nunca vão eliminá-lo, simplesmente porque os fumantes não são todos iguais. Existem quatro tipos de fumante: os radicais, os moderados, os culpados e os convictos. Os mais perigosos e inconvenientes são os primeiros, que não têm bom-senso, compram marcas falsificadas e fumam quatro maços por dia. Cigarro mais caro talvez vá duplicar esse grupo que fuma os paraguaios. Os moderados, caracterizados pela drogadicção de fim de semana, são os mais sem-vergonhas, porém os menos inconvenientes: estes não devem ligar pra cigarro caro. Os culpados são os mais chatos: ficam a se lamentar do vício a toda hora, e irritam até os próprios parceiros, a quem tentam transferir parte de suas neuroses. Saindo a nova lei, têm uma boa razão pra parar, e isso vai ser bom pra todos, todos mesmo. Os convictos são uns poucos que ainda resistem, ainda rebeldes, mas já cansados, já com dúvidas, já sozinhos, ante a marginalização contínua a que vêm sendo submetidos. Não sei como o cigarro caro afetará esse último grupo, mas, para um bom fumante, creio que o ideal seja uma mescla de convicção e moderação. Às vezes, me dizem, “Nossa, mas v. fuma tão pouco, por que não pára?”, ao que respondo orgulhoso, “Mas não fumo pouco com intenção de parar. Fumo pouco para fumar a vida toda.” Afinal, a humanidade usa droga há séculos e no curto espaço de tempo em que vivemos alguém tem de manter acesa a brasa da rebeldia e da tradição. Ainda que fumar cause infarto e morte, olhar a questão pela perspectiva histórica vai nos mostrar que isto é um nada.
O grande problema é outro: ir pro céu e não ter área pra fumante lá, isto sim é que será o inferno.
11.2.08
Antero de Quental
O Remorso
Quando fugi da dor, fugindo ao mundo,
Divisei aos meus pés, de mim diante,
A medonha figura de gigante
Do Remorso, de olhar grave e profundo.
Era de ouvir-lhe o grito gemebundo,
Sua voz cavernosa e soluçante!...
Aproximei-me dele, suplicante,
Dizendo-lhe, cansado e moribundo: –
“Que fazes ao meu lado, corvo horrendo,
Se enlouqueci no meu degredo estranho,
Acordando-me em lágrimas, gemendo?”
Ele riu-se e clamou para meus ais:
“Companheiro na dor, eu te acompanho,
Nunca mais te abandono! Nunca mais!”
Este soneto foi atribuído a Quental. Eu não sei o que gente que entende muito de literatura vai achar disso, mas pra mim, de significativo em termos de conteúdo, chamou-me a atenção a referência ao suicídio do autor e ao corvo de Edgar Allan Poe. Quanto à forma, é indiscutível a qualidade do soneto: vocabulário erudito, métrica perfeita, rimas ricas, talvez raras. Indubitavelmente Poesia. Quanto ao conjunto formado pelo livro, só sei de uma coisa: duvido, duvido muito que do alto de seus 21 anos de idade Xavier tivesse bagagem cultural suficiente para criar, sozinho ou com ajuda de amigos, algo tão engenhoso, poemas tão bem acabados e a um tempo tão singulares que nos permitem identificar realmente os traços estilísticos de um Castro Alves, de um Alphonsus de Guimaraens, de um Cruz e Souza. E embora isso não me tenha convertido ainda, confesso-vos que estou besta. Volto ao assunto quando concluir a leitura.
1.2.08
Uma história sobre histórias
Esta foi uma tarde que precisa ser refeita.
É claro que acredita quem quer. Mas há a lição de Alex Castro sobre uma de nossas prisões: que importa crer ou não crer? Boas ou más, crenças e descrenças sempre limitam as visões. E o que se colhe do contato com as histórias alheias, ou do além, é sempre a beleza da experiência humana, diversa, prodigiosa, incomum. E transcendente. Porque estas histórias estarão sempre acima das idéias e conhecimentos ordinários.
31.1.08
Praia do Sono
Confesso ter me surpreendido com a natureza conservada do lugar, levando em conta a quantidade de gente que o habita (imagino não passar de 200 pessoas). Sem energia elétrica, sem escolas, sem estradas, meio que sem perspectivas, e ainda sofrendo diversas pressões para se retirarem do lugar, os habitantes resistiram e transformaram o terreiro de suas casas em quiosques, cafés, pequenas mercearias, áreas de camping, e sobrevivem do turismo. Pensando em inovação, desenvolvimento sustentável e proteção às matas, achei até um bom exemplo de exploração do potencial ecoturístico brasileiro. Não? Não. Nem todos pensam assim.
Esta nova lei diz que “é vedada a supressão de vegetação primária para fins de loteamento e edificação”. Se os condomínios detiverem sua expansão, talvez continuemos a contar com este um décimo de mata para as futuras gerações. No entanto, os moradores da Praia do Sono constantemente se queixam de assédio. Embora a maioria não queira sair, alguns moradores venderam suas propriedades, e o Laranjeiras parece ter ampliado seus limites nos últimos tempos. Agora, pensemos: lá existem trezentos lotes de mil metros quadrados, mas a maioria dos proprietários tem mais de dois lotes; cada lote custa aproximadamente trezentos mil dólares; um terço do IPTU arrecadado pela prefeitura provém do condomínio (embora nos seja leviano afirmar que haja elementos favoráveis ao tráfico de influência); uma diária no Laranjeiras custa mil reais em baixa temporada. Supondo que o negócio esteja rentável, o que um administrador de condomínio de luxo faz: respeita a lei ou amplia lotes para venda? Pelas trilhas, já começam a aparecer algumas placas.
14.1.08
Isadora Ribeiro de Alcântara
No dia seguinte, que seria amanhã, mas como chegou agora fica sendo hoje, Isadora acumulou funções, obturando dentes e planejando uma vingança cheia de inteligência, cálculo e acessórios digitais, no que resultou em algumas gengivas cortadas e na obturação de um dente que não precisava. Quando despediu-se do último cliente, que sentia estar com a boca torta (e estava mesmo), o telefone tocou, e era ele avisando que precisavam conversar em tal lugar, mais para ali, entrando à esquerda depois daquele motel, fazendo um gato pra pegar o retorno e outras infrações que ninguém multa, nem mata ninguém. Foi. E lá ele confessou ter um caso e querer o divórcio. Era só o que faltava. E Isadora passou anos a se perguntar de onde teriam vindo as marcas de batom, já que, como depois veio a saber, ele tinha mais era ido morar com um aluno por quem se apaixonara, menos pelas idéias brilhantes do que pelo corpo adolescente e os ideais de ateísmo e revolução social. Tão românticos e belos.
8.1.08
Para esquecer
Mas... o que ninguém me tira da cabeça é que podiam ter me roubado a carteira, ah bem que podiam, sim senhor. Mas não. Já não querem nossas carteiras; agora, querem nossas almas.
4.1.08
Microconto roubado da página 73 da História do Cerco de Lisboa
3.1.08
Micros
2.1.08
A cretinice, os internautas e o problema em se ter amigos
Surgiram no Brasil na segunda metade da década de 90. Primeiro, por emeiols, espalharam sua estupidez em correntes, burrice lúdica que consiste em gastar o tempo fútil dos néscios. Contudo, sua maior contribuição foi, paradoxalmente, filosófica, quando, num atentado à religião, suscitaram dúvidas metafísicas tais como “Terá acesso a emeiol a Virgem Maria, para me castigar, caso eu não repasse essa mensagem?”
A palurdice não se restringiu a superstições fundadas em espiritualidades toscas. Não tardou assomar às caixas de entrada emeiols com eslaides anexos, marcados por algumas dezenas de encaminhamentos. A literatura e pintura kitsch nunca tiveram tanta força. Ilustrando paisagens bucólicas, mensagens bestiagas, ababosadas, extraídas de livros de auto-ajuda, principiaram a atoleimar a rede mundial. E as pessoas iam lendo aquelas porcarias sobre o amor e cultivando o ódio por aquelas planícies, cachoeiras, naturezas-mortas.
A canalhice era evidente. Logo ficou claro que aquilo que vinha nos anexos, de autoria duvidosa, em nada correspondia à sinceridade do remetente. Muito poucas vezes havia algo de sua autoria expresso nestes emeiols. E quando havia, restringia-se a algo como “Muito legal!”, apenas. A superficialidade de tudo é que é ainda mais flagrante. Somente o sentimentalismo débil justificaria a reunião artificial de diversos destinatários num mesmo emeiol expressando os mais altos votos de urbanidade, a cada dia, a cada semana, a cada mês. De resto, uma tontice.
Depois, na década primeira do século XXI, quando descobriram o orkut, a toda sexta-feira alguém deixa um scrapt: “Bom final-de-semana!”. Que é pra começar a estragá-lo. É claro que eu não vou dizer tudo isso aos meus amigos que gostam de receber e encaminhar emeiols, porque, embora não pareça, eu gosto dos meus amigos. Mas daqui pra frente, quando eu estiver puto com eles, venho aqui e desabafo. É isso.
Agora, pensando bem, eu também acho que, se tenho amigos assim, o problema talvez seja só meu. Lembrete: rever os critérios para aquisição de amigos.