18.2.07
14.2.07
“Neste país de funcionários públicos, apenas dois tipos realmente trabalham: os professores e os policiais.” É o que diz – diz e repete – um certo amigo meu, provocador. E eu, que em criança sempre temi a ambos, hoje entendo melhor os primeiros, e procuro não criticar muuuuito os últimos. Pode até ser corporativismo, desconfio. Mas o fato é que esta semana, que pode parecer a ti, leitor, vulgar, vagabunda e sem graça, com os mesmos sete dias das outras, esta semana me deu, pela primeira vez, uma sala, uma aula e 30 pré-adolescentes, de 10m2 aquela, de 50 minutos esta, de 12 anos estes, de ambos os sexos e muuuuuitos hormônios. E eu adentrei aquela sala: embaixo do braço a Gramática do Bechara, a confiança e minhas mais modernas concepções pedagógicas. E deu tudo errado. Ao fim de seis aulas, andei desnorteado pelas ruas de um meio-dia quente. Passados 100 minutos, cheguei esbaforido ao meu quarto. E durante um mau tempo que o sono levou pra me levar, pensei seriamente em toda minha carreira acadêmica até aqui. E, dormindo, sonhei com bolinhas de papel, tiros, viaturas, carteiras arrastadas, correria, desordem, adrenalina, verbos no imperativo, verbos no imperativo, verbos no imperativo...
12.2.07
Hoje, chove. Tédio.
E ontem praticamente não tive o que fazer. Restou-me o consolo de olhar da minha janela o sol pintando, aqui e ali, um verde, um marrom, um cinza de pardais, um multi-colorido de varais. É que as vizinhas penduram roupa todo dia por ali. E na última vez que fui olhar minha janela, talvez procurando alguma delas semi-nua, havia ainda um restinho de claridade no céu, ainda se enxergava um pouco, mas, abaixo da copa das árvores mais altas, um tom escuro uniformizava tudo. Porque até um menino, sozinho, pequeninho, recolhia as últimas roupas, agora secas. Achei bonito. Mal alcançava o varal, tadinho, e precisava apoiar-se na ponta dos pés para pegá-las. As das extremidades, mais altas, fazia-as deslizar lentamente até a metade do fio, de onde as tirava, um trabalhão. Há quem diga que a inocência é o mais belo nas crianças; cá por mim, acho que é mais que isso: é uma paciência preguiçosamente desinteressada que o adulto vai perdendo. Fiquei olhando, assim, com uma vontade imensa de ajudar e uma preguiça enorme de sair. O empate imobilizou-me. E quem me visse acharia que eu estava contemplando o crepúsculo, imagine... coisa mais sem graça.
11.2.07
6.2.07
O aquecimento global, o nacionalismo, a pobreza e o futuro
De acordo com o tal novo relatório da ONU sobre o clima, recentemente divulgado, a chapa vai esquentar pro nosso lado. Tanto, que tem até gente falando numa elevação climática global de 5ºC em 2100. Países e corporações economicamente relevantes têm outras precupações e, no fundo, no fundo, todo mundo quer mesmo é que se foda o séc. XXII. Até lá as geleiras vão derretendo, o nível dos mares vai subindo, secas aqui, ciclones acolá, inundações ali, e por cá, yesss!, em terras tupiniquins, juntamente com os desmatamentos já foram observados os processos de desertificação que cobrem um terço da Terra. Ou descobrem, melhor dizendo.
A idéia de que por aqui não temos catástrofes naturais, apenas-corrupção-inda-bem, vai começar a esfriar à medida que o XXI for se passando. A ONU diz-que em 2050 a falta d’água talvez já atinja 3 bilhões de pessoas. E não obstante “nosso” imenso manancial hídrico, vou ingenuamente desconfiando que algumas serão brasileiras. A seca já é um problema bem conhecido nosso, se não para o lado rico do país, certamente para a região mais pobre e populosa, o Nordeste. E, no final, quem vai pagar a conta inevitável, a gente já sabe, são os mais pobres. Ou seja, não é todo mundo que vai entrar numa fria, com o aquecimento global.
Os mais fortes terão reservado seu lugar ao sol, protetor de pele e água mineral gelada. Se tiver, como diz Gilberto Kassab, algum vagabundo na praia, é só chamar a polícia e liberar a areia. Se aparecer muito pobre enchendo o saco, basta comprar, cercar tudo e fazer um condomínio fechado. É assim que faz Antônio Ermírio de Moraes, que, patriótico, ainda afirma ser um exagero dizer que nosso país é um dos que mais devastam a natureza (“O mundo e o meio ambiente”, Folha, 04/02/07). Pode até ter razão nisso, resta saber se o país é mesmo “nosso”. E mesmo que tenha razão, num momento em que países deveriam se unir para enfrentar a degradação ambiental, sua atitude reflete hoje em dia o que mais se vê mundo afora: o nacionalismo ou a defesa de interesses particulares.
É mais ou menos por aí, como Moraes, que os EUA raciocinam quando não dão bola alguma ao Protocolo de Kyoto: “Que temos a perder? Somos a mais desenvolvida nação do planeta, os aliados estão agora espalhados por todo o mundo, temos um invejável arsenal bélico... Ora, controlem vocês suas emissões de CO2!” E, no fim das contas, se faltar alguma coisa aos ianques, água ou petróleo, já têm um bom motivo para pelo menos uma guerrinha de conquista da Amazônia: Hugo Chávez. E a Venezuela que se cuide.
Quem bloqueia o caminho das grandes corporações capitalistas – e elas não são só americanas – tem grande chance de ser eliminado. A maior preocupação destas organizações não é o bem-estar das pessoas, não é a construção do bem comum e nem tampouco a preservação dos mais diversos ecossistemas do planeta. Seu caminho não é feito por príncipios, os seus passos se baseiam na trapaça, a artimanha é condição para vitória e o lucro é quase individual. É com este espírito que o grupo petrolífero ExxonMobil ofereceu dinheiro a cientistas para que escrevessem artigos colocando em dúvida as conclusões do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change)1. Isso não serve apenas para mostrar até onde vai a irresponsabilidade dos executivos; alerta também que se os relatórios da ONU não servirem para mudar a retórica beligerante das grandes corporações2 e, principalmente, dos EUA, o maior poluidor, não vão servir pra nada, nem pra ninguém. E o planeta que se cuide.
E eu não sei quanto a vocês, mas acho que esta é mais uma boa razão para não ter filhos. O que vimos até agora aponta que esse mundão vai ficar um lugarzinho bem ruinzinho pra viver no futuro. E, como disse Brás Cubas, se os tivermos, aos filhos, será apenas para transmitir “o legado da nossa miséria”. E o disse muito bem, porque esta, sim, é “nossa”.
Notas:
1. O fato, matéria do jornal britânico Guardian em 02/02, convenientemente abordado no mesmo dia pelo reverso
2. Não é de hoje que a Exxon tenta sabotar o trabalho do IPCC. Veja-se a reportagem da Folha de 02/09/02.
4.2.07
Dos jornais
“Entre os partidos, o PSDB saiu arranhado das disputas. No Senado, suspeita-se de que os tucanos foram responsáveis pela votação minguada em José Agripino (PFL-RN), que teve menos votos (28) do que o número de tucanos e pefelistas (30). Na Câmara, o PSDB ficou com fama de ter dado a Chinaglia os votos que precisava para vencer no segundo turno. Em suma, os tucanos são de oposição, ajudaram o governo e saíram rachados.
(...)
O PFL, a outra sigla de oposição, também saiu esfacelada. Foi humilhada no Senado. Na Câmara, apoiou um comunista. Nada deu certo. Como se não bastasse, os pefelistas se digladiam para escolher os novos líderes do partido.”
Fernando Rodrigues, “PT paulista triunfa; PSDB sai arranhado”, Folha, 02/02/07.
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“O maior foco de atenções no Senado ontem foi Fernando Collor de Mello (PRTB-AL), que tomou posse 14 anos após ser afastado da Presidência da República por um processo de impeachment.”
FERNANDA KRAKOVICS e FELIPE SELIGMAN, “Gafe de presidente reeleito e retorno de Collor marcam a posse no Senado”, Folha, 02/02/07.
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"O que é isso?
O que são essas siglas?"
CLODOVIL HERNANDES
deputado (PTC-SP), ao ser perguntado se votaria para aprovar o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento)
Folha, 02/02/07
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"Espero que a imprensa continue investigativa, livre, com compromisso com a ética."
PAULO MALUF
deputado (PP-SP)
Folha, 02/02/07
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Convenhamos. A política brasileira é um dos espetáculos mais gozados da face da terra. Onde teríamos tantas boas piadas juntas, e num só dia?
3.2.07
De como a direita não se torna esquerda na velhice
Vez ou outra encontra-se alguém que, cuspindo desprezo, costuma dizer: “Felizmente, os esquerdistas viram direitistas quando velhos.” É bem verdade que isso acontece e disso há exemplos vários, embora não seja a regra. Porque houve e há também muitos velhinhos de esquerda, como, lembrei agora dele, Apolônio de Carvalho. O curioso é que não haverá jamais o inverso: direitistas que se tornem esquerdistas com o tempo. Com todas as críticas, com todos os erros, com tudo o que a História imputar como fracasso à atuação da esquerda, há de se admitir pelo menos que segui-la é dizer o tempo todo “não” ao establishment, o que não é pouco. Dizer “não” é das coisas mais difíceis do mundo, em muitas culturas.
Uma vez o moçambicano Mia Couto dizia dessa inadaptação do ser humano em negar. É quase uma falta de educação. E, lá em África, em sua vida de biólogo, chegando a um determinado ponto marítimo que precisava atravessar, perguntou a um morador algo assim: “A maré está a descer?” Responderam: “Sim, está a descer.” Porém completaram: “Mas já começou a subir há meia hora atrás”. Em suma, se der pra concordar, pra que discordar?
Negar a ordem política, econômica, legal e ideológica continuamente deve a longo prazo produzir sérias conseqüências. Uma delas talvez venha por volta dos 40 anos, acabada a juventude, quando se perguntará: “Que sentido há nisso tudo?” E este é o ponto onde vão se separar os apolônios dos luís-inácios. Uns acham respostas; outros não. E depois de uma tal crise de identidade, perdoam-se eventuais incoerências. É óbvio que a vida de alguém que palmilhou sempre a macia estrada da direita jamais terá perturbações desse tipo. Nem crises. Nem vontades de dizer “não”. E eis por que direitistas não se tornam esquerdistas quando velhos.
2.2.07
– Alô?
– Boa tarde, senhor, com quem estou falando?
– Aqui é o Raimundo, com quem quer falar?
– Ah, é com o senhor mesmo, o titular da linha, estamos oferecendo o serviço detecta, sendo o aparelho totalmente gratuito, que o senhor vai estar recebendo em casa!
– Hum...
– Com ele o senhor vai poder estar identificando chamadas feitas e recebidas, e estará evitando trotes, além de poder estar retornando ligações etc. etc. blá-blá-blá...
– Tá bom, eu quero.
– Por favor, queira estar aguardando um momento, enquanto estamos confirmando seus dados...
....................................................................................
– Amor, a Telesp ligou aí, e eu aceitei aquele negócio do detecta, lá...
– O quê?? Raimundo Lima de Albuquerque, não tínhamos já conversado sobre isso? não tínhamos já decidido que não era preciso? não foi? hein, hein?
– Bem, sim, mas... me pareceu tão barato... apenas 10 reais de mensalidade, 23 de habilitação, e o aparelho de graça...
- Idiota! Idiota! Idiota! Eu me casei com um idiota! V. não percebe que o valor do aparelho já está embutido nesse absurdo de habilitação? Eu não acredito, eu não acredito... sou uma desgraçada...
– A gente pode cancelar depois...
– Ah, é? Depois? Depois de gastar 30 reais inutilmente? V. não está desempregado? Não sou eu que pago as contas? Sou ou não sou? E v. sai comprando coisas que eu vou ter de pagar, sim, porque v. não tem dó de mim, v. não pensa nas contas dessa casa...
....................................................................................
– Alô, eu quero cancelar um serviço.
– Senhor, qual serviço vamos estar cancelando hoje?
– Um identificador de chamadas...
– Aaaaah, vamos estar cancelando, aqui está, mas o senhor acabou de o solicitar, há pouco mais de 30 minutos...
– Eu quero cancelar.
– Mas, o senhor vai poder estar recebendo inteiramente gratuito o aparelho, com o qual vai poder estar evitando trooootes...
– ...eu sei, eu sei, quero cancelar!
– Mas fique sabendo o senhor que, mesmo cancelando, vai poder ter de estar pagando a adesão ao serviço, de 23 reais.
– Ok, cancele!
– Tudo bem, tudo bem, senhor, estamos cancelando.
– (...)
– Talvez fosse melhor o senhor estar reconsiderando, estar usando um primeiro mês e só aí então estar fazendo o tal cancelamento, nãããããão?
– Cancele agora, porra!
– Senhor, a nossa ligação está sendo gravada e...
– ...foda-se, caralho, cancela essa porra!
– Tudo bem, senhor, estamos cancelando.
– (...)
– Senhor, estamos concluindo o cancelamento, porém, o envio do aparelho não vai poder estar sendo cancelado. O senhor vai ter de estar devolvendo-o aqui, na sede da Telesp, R Sete de Abril... Não é melhor o senhor ir pensando em reconsideraaaaaar?
– Não, cancele. Eu mando pelo correio.
– Mas, pensando nas vantagens que o senhor estará tendo, contratando ao menos temporariamente este serviço que...
– Eu não quero essa porra, cancele....
– Senhor, estou vendo aqui nos protocolos e não sê-lo-á possível ao senhor estar enviando o aparelho pelo correio, pelo que o senhor estará tendo de vir pessoalmente...
– Mas por quê? é pra vocês ver a minha cara de trouxa?
– (hahahaha! ai, ai...) Sem comentários, senhor.
– Tudo bem, porra, eu vou pessoalmente, mas cancele logo isso!
– O senhor pode estar anotando o número do protocolo, senhor?
– Pegar a caneta...
– (...)
– Pode falar.
– um-sete-um...
– ...ããh.
– um-sete-um...
– ?
– um-sete-um...
– !