Vez ou outra encontra-se alguém que, cuspindo desprezo, costuma dizer: “Felizmente, os esquerdistas viram direitistas quando velhos.” É bem verdade que isso acontece e disso há exemplos vários, embora não seja a regra. Porque houve e há também muitos velhinhos de esquerda, como, lembrei agora dele, Apolônio de Carvalho. O curioso é que não haverá jamais o inverso: direitistas que se tornem esquerdistas com o tempo. Com todas as críticas, com todos os erros, com tudo o que a História imputar como fracasso à atuação da esquerda, há de se admitir pelo menos que segui-la é dizer o tempo todo “não” ao establishment, o que não é pouco. Dizer “não” é das coisas mais difíceis do mundo, em muitas culturas.
Uma vez o moçambicano Mia Couto dizia dessa inadaptação do ser humano em negar. É quase uma falta de educação. E, lá em África, em sua vida de biólogo, chegando a um determinado ponto marítimo que precisava atravessar, perguntou a um morador algo assim: “A maré está a descer?” Responderam: “Sim, está a descer.” Porém completaram: “Mas já começou a subir há meia hora atrás”. Em suma, se der pra concordar, pra que discordar?
Negar a ordem política, econômica, legal e ideológica continuamente deve a longo prazo produzir sérias conseqüências. Uma delas talvez venha por volta dos 40 anos, acabada a juventude, quando se perguntará: “Que sentido há nisso tudo?” E este é o ponto onde vão se separar os apolônios dos luís-inácios. Uns acham respostas; outros não. E depois de uma tal crise de identidade, perdoam-se eventuais incoerências. É óbvio que a vida de alguém que palmilhou sempre a macia estrada da direita jamais terá perturbações desse tipo. Nem crises. Nem vontades de dizer “não”. E eis por que direitistas não se tornam esquerdistas quando velhos.
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