Devo ter superestimado minha integridade moral, pois, mesmo sem saber para o que era convidado, em um belo entardecer de setembro, quando queria dizer não, disse sim.
Tudo começou no início de 2010, quando, funcionário público municipal que era, aceitei acumular às minhas funções ordinárias uma função "comissionada", uma espécie de cargo de confiança infinitesimal, de quase nenhum valor profissional, mas que, enfim, trazia alguma compensação financeira. Nem atentei que se tratava de ano eleitoral. O castigo veio devagar, subterrâneo como o passar dos meses. E na semana passada, enquanto almoçava, ouvi de uma colega em situação similar o comentário: "Nosso cargo é político, infelizmente. Semana que vem, por exemplo, v. vai ter que ir a uma reunião que não quer." Ri-me dela. Falava com uma naturalidade que me chocou. Ouvi sem dar importância, um pouco ferido pelo descaso com que tratavam meu livre-arbítrio. Hoje, pela manhã, outro colega explicou: "Hoje o prefeito faz aquela reunião de apoio ao candidato a governador." "Você vai?", perguntei. "Sim, vou, Fulano de Tal me pediu, e eu antes já lhe pedi tantas coisas. Sacumé?" Dei de ombros. Cada um sabe de si. E fingi que não sabia de nada ou, se muito, fazia parte de uma grande brincadeira. Parecia uma brincadeira! Ora, então um prefeito de um grande centro urbano lá vai convocar servidor público para apoiar seu candidato de preferência?! Era só o que faltava!
Ao fim da tarde, recebi uma ligação perguntando se eu ia. E caiu a ficha: a coisa era séria. Enquanto falava fui me lembrando de um programa da CBN dias atrás, no qual Max Gehringer lia a carta de um ouvinte reclamando que na empresa onde trabalhava, no interior, os patrões apoiam um candidato e coagem os empregados a fazer campanha política favorável, com a gota d'água de o empregado em questão não gostar do candidato apoiado. Max Gehringer concluía dizendo ser este um caso em que todo mundo sabe o que fazer, mas do qual ninguém quer fazer parte. Achei vergonhosa a reclamação e cínica a conclusão. Vergonhosa a falta de coragem do reclamante em não se levantar, em não enfrentar tão grande indignidade, em omitir os nomes dos bois, mal denunciando, assim tão timidamente, semelhante canalhice eleitoral e, sem dúvida, de opressão do capital sobre o trabalho. Cínica a conclusão do locutor, que se absteve de qualquer crítica a podridão da moderna sociedade brasileira, tão caduca e rebaixada, e delegou às consciências individuais o papel ativo, como se fosse um problema de natureza puramente privada, e não pública. E agora me via numa situação que ansiei por passar, para provar que comigo não, que é facílimo resolver o caso, que o que falta é um pouco de coragem e menos cinismo.
Por algum tempo a recordação deste fato radiofônico masturbou-me o ego com a destreza de uma puta, que eu procurava sempre que tinha vontade de me amar e ser feliz. Até este outro dia, quando, ao ser perguntado se ia – a lugar desconhecido, a evento de natureza ignorada, a reunião de objetivos obscuros, temperados pela lama fedorenta da propaganda eleitoral –, respondi automaticamente que sim. Compreendia epifanicamente o ouvinte, o locutor, meus colegas, meus irmãos. E fui andando, dizendo a mim mesmo que, até então, tinha sido radical demais.
2 comments:
correndo o risco de soar arrogante, você esperava uma resposta boa do max gehringer? tsc.
"Por algum tempo a recordação deste fato radiofônico masturbou-me o ego com a destreza de uma puta..."
Se isto não for literatura, o que será?
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