É engraçado o debate: Dilma reclama do uso rasteiro que Serra fez do tema do aborto, mas usa de maneira igualmente rasteira a questão das privatizações. É difícil libertar-se do estigma que a esquerda colou nas estatais privatizadas. Mas as estatais não necessariamente são boas. Cada caso é único.
Privatizar a Petrobras seria, considerando o papel estratégico do petróleo para a indústria, abrir mão do controle do Estado sobre o capitalismo. Um erro! Em suma, petróleo não se privatiza; é a matéria-prima de todas as matérias-primas. Também é justo que se indigne com a venda da Vale do Rio Doce a preço de banana. Mas pode-se parar por aí. O capital estatal nunca teria como ampliar e baratear o custo e o atendimento da telefonia fixa, como, por exemplo, a Telefonica fez em São Paulo. Ok, agora bilhões e bilhões saem do país para a sede da multinacional na Espanha, mas o serviço ao cidadão melhorou bastante. Esta melhora só pôde acontecer porque o capital privado concorrencial apareceu e fez o que normalmente faz, aumentando a parcela constante (máquinas, equipamentos, informatização) e chicoteando a parcela variável (trabalho) da composição orgânica do capital. Aumentou a exploração da força de trabalho, rebaixou salários de técnicos, precarizou a situação do trabalhador - é verdade. Mas expandiu os postos de trabalho no setor e investiu pesadamente em capital constante, universalizando a linha telefônica muito antes de a classe pobre ter celular - e isto também é verdade. Desenvolveu-se um setor pouco desenvolvido, criou-se riqueza, e isto é bom: agora, quando o povo se levantar para tomar o que é seu, haverá realmente o que socializar.
O que se decide na questão das estatais é entre duas alternativas: se vai se extrair mais mais-valia, com o capital privado, ou menos mais-valia, com o capital estatal. De qualquer modo, o caminho pró-estatização, tão defendido por setores do PT, não abole a mais-valia, nem caminha para o socialismo, como se iludem alguns. Pelo contrário, é bem possível que entrave, na medida em que o capital estagnado das estatais, não concorrencial, não desenvolve forças produtivas, não se obriga a expandir-se, nem sequer forma proletariado significativo. Num país como o nosso, especialmente como o que FHC herdou de Collor, era talvez necessário redizer o que disse Lênin sobre o estado da Rússia no começo do século passado: "Aqui, o povo não sofre com o capitalismo; sofremos pela falta dele." Fazer socialismo com isso, a história mostrou como é.
Não podemos nos queixar de tudo. Se houve uma coisa sincera no debate, foi dita por Serra, a respeito da Dilma: "Estou surpreso com tanta agressividade." É bom que tenha ficado, assim empatamos. Porque, se com a questão das estatais podemos fazer todo esse arrazoado, a respeito do aborto não há o que dizer: a rasteirice serrista, por resvalar no obscurantismo, é muito superior (ou inferior?) à reação da candidata do governo. E surpreende justamente por vir do partido que sempre se declarou desideologizado, técnico, moderno, racional.
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