28.5.08

A ingratidão reina. O celular demitiu-se. E levou consigo a agenda. E todo mundo se foi. Outra vez. Outra vez forçado a ligar pra todos esses que não ligam pra mim.

17.5.08

Sobre o acordo ortográfico

Cresci profissionalmente (hahaha!) ouvindo de colegas um profundo desprezo para com os puxas. E, sempre que podia, fazia coro, fustigando-os com as chicotadas da desaprovação. Mas o tempo vai mostrando que talvez os tenha julgado mal, afinal, nada se perde ao agradar as pessoas com quem se trabalha.

E como me permitiram faltar ao trabalho, na última quarta fui assistir a uma palestra da Câmara Brasileira do Livro, que, preocupada com suas editoras, promoveu um encontro sobre o novo Acordo Ortográfico. Que é uma óbvia manobra para ampliar o mercado editorial, e não muito mais além do lucro. Sem prejuízo de ser isso o principal, convenci-me de que também resolverá outras coisas, a saber, delicados incidentes diplomáticos (como escrever ao fim de cada reunião uma "ata" e uma "acta") e educacionais (como os que ocorrem em Timor-Leste, onde a concorrência de professores portugueses e brasileiros nas escolas, utilizando simultaneamente uma e outra grafias, tem confundido bem a cabecinha dos timorenses).

O tal Carlos Alberto Ribeiro de Xavier começou a palestra desculpando-se por ser economista, não ser gramático e não poder tirar dúvidas especificamente ortográficas. Estava ali apenas para traçar um panorama mais geral, apontar justificativas, falar sobre aspectos jurídicos e programáticos etc. Lá pela metade da palestra, quando aconteceu a quinta pergunta inconveniente e gramatical, o sujeito irritou-se: pegou o calhamaço com as novas regras e foi dizendo "Gente, eu não vejo dificuldade nisso aqui não...", e foi passando as páginas, apontando o que parecia óbvio. Donde se conclui que também não é bom desagradar quem está trabalhando.

12.5.08

Um poema de Joaquim Pessoa

Hoje, pela manhã, parei um poucadinho olhando a falta de significado de tudo. A boa notícia é que notei que continuamos indo: caminhando. E cantando. E, se houvesse uma canção, certamente a seguiríamos. Porque adoramos seguir canções.

Agora, o que eu particularmente não gosto é esta coisa de cantar "sem ter nada na goela". Ô coisa chata. E eis como chegamos ao poema temperamental de Joaquim Pessoa (que não é mais um heterônimo do Fernando, com eu pensei no início).


Poema Temperamental
(Joaquim Pessoa)

Ó caralho! Ó caralho!
Quem abateu estas aves?
Quem é que sabe? quem é
que inventou a pasmaceira?
Que puta de bebedeira
é esta que em nós se vem
já desde o ventre da mãe
e que tem a nossa idade?
Ó caralho! Ó caralho!
Isto de a gente sorrir
com os dentes cariados
esta coisa de gritar
sem ter nada na goela
faz-nos abrir a janela.
Faz doer a solidão.
Faz das tripas coração.
Ó caralho! Ó caralho!
Porque não vem o diabo
dizer que somos um povo
de heróicos analfabetos?
Na cama fazemos netos
porque os filhos não são nossos
são produtos do acaso
desde o sangue até aos ossos.
Ó caralho! Ó caralho!
Um homem mede-se aos palmos
se não há outra medida
e põe-se o dedo na ferida
se o dedo lá for preciso.
Não temos que ter juízo
o que é urgente é ser louco
quer se seja muito ou pouco.
Ó caralho! Ó caralho!
Porque é que os poemas dizem
o que os poetas não querem?
Porque é que as palavras ferem
como facas aguçadas
cravadas por toda a parte?
Porque é que se diz que a arte
é para certas camadas?
Ó caralho! Ó caralho!
Estes fatos por medida
que vestimos ao domingo
tiram-nos dias de vida
fazem guardar-nos segredos
e tornam-nos tão cruéis
que para comprar anéis
vendemos os próprios dedos.
Ó caralho! Ó caralho!
Falta mudar tanta coisa.
Falta mudar isto tudo!
Ser-se cego surdo e mudo
entre gente sem cabeça
não é desgraça completa.
É como ser-se poeta
sem que a poesia aconteça.
Ó caralho! Ó caralho!
Nunca ninguém diz o nome
do silêncio que nos mata
e andamos mortos de fome
(mesmo os que trazem gravata)
com um nó junto à garganta.
O mal é que a gente canta
quando nos põem a pata.
Ó caralho! Ó caralho!
O melhor era fingir
que não é nada connosco.
O melhor era dizer
que nunca mais há remédio
para a sífilis. Para o tédio.
Para o ócio e a pobreza.
Era melhor. Com certeza.
Ó caralho! Ó caralho!
Tudo são contas antigas.
Tudo são palavras velhas.
Faz-se um telhado sem telhas
para que chova lá dentro
e afogam-se os moribundos
dentro do guarda-vestidos
entre vaias e gemidos.
Ó caralho! Ó caralho!
Há gente que não faz nada
nem sequer coçar as pernas.
Há gente que não se importa
de viver feita aos bocados
com uma alma tão morta
que os mortos berram à porta
dos vivos que estão calados.
Ó caralho! Ó caralho!
Já é tempo de aprender
quanto custa a vida inteira
a comer e a beber
e a viver dessa maneira.
Já é tempo de dizer
que a fome tem outro nome.
Que viver já é ter fome.
Ó caralho! Ó caralho!
Ó caralho!