30.3.08

Sonhos

Não que eu tenha dotes surrealistas, mas acordei bem esquisito trás-dontonte: não sabia se me preocupava ou ria. O sonho foi o seguinte: vou fazer uma conversão à esquerda, nada aparece no retrovisor, viro, e um motoboy surge do nada, e eu, já furioso com a brusca aparição, antes mesmo que ele pudesse acionar a maldita buzina, atropelo-o violentamente. O desgraçado tem tanto azar que ao cair faz como a protagonista do Menina de ouro, com a diferença de que sua cabeça não bateu num banco, bateu foi numa vergonhosa ondulação do asfalto (existentes mesmo em ano de eleição, vá lá entender), e também que não ficou tetraplégico, entregou foi a alma a deus ali mesmo. "Fudeu", pensei, esperando a polícia chegar e torcendo pra não ter tomado cerveja.

Horas mais tarde, já passada toda a sorte de curiosos, já passada a ambulância, já removido o cadáver, chega a polícia. E eu lá, na boa, esperando. Vem três pm's, um mais velho atrás, e à frente dois mais novos, incuindo uma pm. É ela quem fala comigo primeiro, "Sua carta, cidadão", o bastante para causar no mais velho um ataque. "Você me mata de vergonha! Quantas vezes já falei pra pedir a CARTEIRA DE HA-BI-LI-TA-ÇÃO! Carta é o caralho!" A moça ouve submissa, e tenta outra vez mudando comigo o linguajar. Enquanto entrego os documentos, o mais velho vira-se para o lado e desta vez quer explodir. "Que diabos v. está fazendo aí??!!" E só então percebi que o mais novo estava a escrever no meu capô uma carta, contendo meus direitos, e já chegava à parte em que tudo o que eu disser poderá e será usado contra mim.

E acordei pensando esquisito no que quereria dizer meu sonho, na dúvida entre tomar mais cuidado com motoboys, não beber antes de dirigir, ou voltar a escrever cartas, que há tempos não mando nem ganho. Fazer um post talvez seja a melhor escolha, afinal, das tarefas, a menos trabalhosa.

18.3.08

Fernando Sabino

Desconfio que 11 de outubro de 2004, data da morte de Fernando Tavares Sabino, foi um dia ruim. Lendo-o pela primeira vez, em O grande mentecapto, veio a emoção meio culposa de quando a gente acha algo tão saboroso que nos faz perguntar o motivo de não ter provado antes. Há tempos um livro não me fazia rir um riso que não fosse feito de sarcasmo. E o ruim de tudo é que não tenho mais a chance de mandar uma cartinha agradecendo o autor.

Mas o pior de tudo mesmo é pensar que naquele dia pouco se falou dele. Todo mundo só falava da morte do Christopher Reeve.

13.3.08

Pra mim chega. Eu desisto. Nunca vou aprender a tomar as grandes decisões. Não as certas. Meu deus, eu não consigo aprender! Mas, enfim, nem tudo são espinhos. Se a vida é realmente uma só, então o que a gente vai construindo não pode mesmo ser nada além de uma grande coleção de arrependimentos.

9.3.08

Consumo

Naquele dia era já a segunda vez que da janela do navegador contemplava o notebook. Talvez porque vermelho, não conseguia deixar de desejá-lo. Tela de LCD, um potente HD, 2 GB de memória, câmera e microfone integrados... ficava a se imaginar atraindo olhares onde quer que fosse, fazendo videoconferências em qualquer lugar...

– ... ainda mais com essa nova tecnologia Sound Reality, que proporciona sons muito mais nítidos e profundos! – dizia a seus colegas de trabalho.

Passou os dias seguintes vigiando o produto, navegando de loja em loja virtual, comparando preços, atento a promoções-relâmpago... Duas semanas depois foi encontrado em frente ao computador dando gritos histéricos e arrancando os cabelos:

– Já diminuiu 1.000 reais! Em uma semana! 1.000 reais! E continua baixando... há dias o preço está em queda! Eu vou esperar... eu espero... posso esperar... um dia vou tê-lo, se vou! O que vocês querem é que eu compre logo, agora, já, mas não... Vocês pensam que eu tenho necessidade, que é essencial pra mim, que preciso dele, mas não: eu NÃO preciso! Posso esperar dias, meses, anos... a vida toda!

E seguiu atento à desvalorização do produto.

6.3.08

– ... e, portanto, esta unidade escolar desaconselha veementemente a cópia xerox de livros, pelas razões supracitadas, pelo respeito à legislação deste país e por entendermos que o direito autoral é importante, é necessário e é justo, na medida em que o valor das idéias merece nosso reconhecimento, algo inviável quando se faz uma cópia não-autorizada. Além do mais, reflitam, srs. alunos, no que está por trás deste seu discurso, ao dizer que "livro-de-vinte-reais-é-muito-caro" e, no entanto, acharem natural e barato pagar um lanche de mais de 10 reais no mcdonalds. Pensem no valor que nós, brasileiros, em nossa subdesenvolvida ignorância, NÃO damos ao livro!

Após um curto silêncio, um aluno, de 12 anos, de olhar curioso, de testa duvidosa, de pele negra, sentado na primeira fila, levanta timidamente o braço e pergunta com hesitação:

– Então, professor... se eu for pego tirando xerox de livro... eu... posso ser preso e ir pra Febem?

3.3.08

O Haikai
.
Lava, escorre, agita
a areia. E enfim, na bateia,
fica uma pepita.
.
(Guilherme de Almeida)
.
Com a felicidade deve de ser assim também. O diabo é que esse negócio de mineração, além de fazer um mal danado ao meio ambiente, dá um trabalho...