29.7.09

A mãe

No dia 29 de julho, exatamente às 19h47, entrei na cozinha, encontrei minha mãe e perdi algo. Seria um encontro qualquer, mas havia alguma coisa, ela olhou-me sorrindo e enquanto via os dentes, contou-me algo importante e feliz; agitava as mãos abertas no ar. Deus, fossem só sorrisos e mãos... havia brilho nos olhos. Um choque de anormalidade, olhei percebendo bem, alegrias tornando-se estranhas. E resisti ouvindo dois minutos, vendo o que nunca tinha visto, sentindo um estranhamento, um nó na garganta, sabendo a incomum alegria depois das comuns tristezas, e veio a lembrança, de todas a mais velha – e enquanto no chão perguntava sobre o mundo, ela muito alta e jovem explicando –, vi também rugas em seu rosto, vi em seus dedos as marcas do tempo, vi em seus olhos agora pequenos tanta felicidade... Perdi alguma coisa, pensei, pela primeira vez perdi algo realmente importante, como um Paulo Honório que diz, braços sobre a mesa – estraguei a minha vida, estraguei-a estupidamente. Disse qualquer coisa e fugi perturbado ao meu quarto, um aperto no peito. E senti-me no tempo, inteiro, impotente, só. Chorei um choro delicioso e trágico. Devo ter soluçado alto, ela escutou, as mães se preocupam, abriu a porta, indagou se tudo bem. Estava, estava tudo ótimo. Fiquei bravo, então um homem não pode chorar em paz? E essa mania de abrir a porta... Além do que, um homem chorando é sempre patético, não expliquei, ela saiu, nem poderia explicar, porque voltava à minha verdadeira situação, só outra vez. Chorei dez minutos mais, sentindo a verdade, sentindo-me bem, sem saber por que tanto desgosto, por que tantas lágrimas, sentindo-me o mais patético dos homens, sentindo-me mal, sem saber o que fazer, sem saber o que perdi.

26.7.09

Fome

Era uma quinta-feira. Tarde-noite. Chovia. Estava no caminho quando ela me ligou e avisou do atraso. Senti fome: quis muito umas esfihas. Tinha ganhado um tempo, então parei e comprei quatro, e enquanto ia comendo fui gostando o gosto do limão, e olhando o verde do limão, ah...., quis de todo coração uma caipirinha, tinha fome outra vez, mas a fome agora era outra. E já estava na segunda dose, e a vodca nunca foi tão boa, e enquanto ia bebendo, ah... quis beber para sempre... Tinha uma grande fome de beber, mas era diferente, a fome agora, sendo outra, era uma fome de viver. Mas lembrei que amanhã trabalhava. Senti raiva. E enquanto o meu ódio crescia, foi aparecendo despretenciosamente, agora devagar, agora como um raio, um pensamento pequeno e agora ligeiro: e se eu roubasse? Quis muito ganhar sem trabalhar, quis muito prazer sem esforço, quis muito viver sem morrer. A fome agora era outra.

22.7.09

Passei três longos anos sentado em minha cadeira, digitando em meu teclado, olhando em minha tela, dobrando meus joelhos. Sob a escrivaninha, havia um compartimento tipo prateleira, onde incialmente deixei o estabilizador e a quem lentamente fui juntando uma biblioteca de livros insossos, cds inúteis, apostilas velhas, pastas, envelopes e um nunca mais acabar de papéis, textos, fanzines, correspondência bancária, publicidade e muita poeira. Um dia, a prateleira caiu. Ainda tentei voltá-la ao lugar, calcei com caixas, tomei cuidado, rezei – tudo em vão. Estava inflexível. Saiu. E agora posso esticar minhas pernas, endireitar a coluna, encostar meus pés cansados na parede. De fato, só vemos a ruindade das coisas quando as perdemos. Também por isso damos talvez tanto valor a nossos cães, casas, carros, empregos, vidas, amigos e parentes.