14.2.12

Sobre a capetização do marxismo

Sobre isto, pediram-me uma opinião. Embora gratíssimo pela inclusão, não tenho lucidez para discutir isso. O ceticismo tem rondado até o modo como desço as escadas, cumprimento as pessoas ou escovo os dentes. Desconfio de todos os caminhos e propostas, e não tenho nada melhor a propor. A estratificação da classe trabalhadora em infindas gradações e matizes complicou a coisa. Isto deve ter causado a existência de uma infinidade de seitas políticas. O indivíduo é cada vez mais só, livre, autônomo e desligado da classe. O pensamento, acompanhando o movimento geral, parece ter se fragmentado também nas melhores cabeças, e um olhar unificado tornou-se impossível. "Pensar consigo mesmo, se não é inteiramente impossível, exige pelo menos bastante coragem. E os telemóveis, permanentemente ligados, mesmo nas reuniões de amigos, impedem qualquer conversa continuada. Até durante o acto de defecar, tradicionalmente propício à meditação, em que todas as pessoas reproduziam a atitude, e sem dúvida o espírito, do celebérrimo Pensador de Rodin, o livre curso das ideias passou a ser obstruído pela intromissão do telemóvel."* A desordem das ideias determina e é determinada pela "maldita práxis". O estudo ocupa um espaço relativamente infinitesimal em nossas vidas, premidas pela busca da mercadoria essencial, que contém em si todas as outras. Os nossos cacos, que somos, e os cacos de pensamento que temos - eu não digo que signifiquem o fim da espécie, mas bem podem vir a ser o nosso fim, o fim de uma época ou o fim dos ideais elevados que viemos alevantando. Para o momento convém o estoicismo - mas isto é francamente ruim, e vocês logo perceberiam a fraude. Serve tão somente como um plástico entre os ovos.

*João Bernardo. “Algumas reflexões acerca do livro ‘Democracia Totalitária’ ”. PREC. Põe, Rapa, Empurra, Cai. Nº zero, Nov. 2005. Disponível em: http://grupogetrama.blogspot.com/2009/02/sobre-o-democracia-totalitaria.html Acesso em: 21 nov. 11.