19.9.07

Para uma arte de ler no banheiro

Para um pessimista, a vida é uma contínua sucessão de dores permeada por alguns momentos de alegria. Para um pessimista preguiçoso, a vida é um sem-número de trabalhos ponteado por raros momentos de ócio. A receita da felicidade resume-se a prolongar, de alguma forma, os minutos de ócio. Ou de alegria.

Se sentir alegria causa prazer, e se a leitura é um prazer, o fato é que ler, para o diletante preguiçoso, tem uma dimensão paradoxalmente trabalhosa. A solução é, na tentativa de gozar plenamente o ócio, acumular o máximo de tarefas possíveis num mesmo espaço de tempo, aumentando assim o tempo livre. Algumas tarefas são tarefas vitais. E aí está por que muitas pessoas lêem no banheiro.

Minha importante descoberta ultimamente foi ter entrevisto uma tênue linha a dividir os preguiçosos que lêem no banheiro. Uns lêem rótulos de xampu, bulas de remédio, revistas “veja” velhas. Outros não sentem pudor em levar a alta literatura para a privada. E eis que, descaradamente, confesso ter largado as cerimônias e lido diariamente grandes clássicos. Fiz a experiência caseira, primeiramente, lendo os capítulos finais de Quincas Borba, aventurei-me pela América Latina e reli grande parte de O Amor nos Tempos do Cólera, já mais atrevido agora, tenho adorado os curtos capítulos do grande A menina que roubava livros, de Markus Zusak. E tudo isso sem falar na portentosa leitura de Watchmen (me perdoe o amigo que me confiou os seis números da rara edição de 1989, da editora Abril).

2.9.07

Pessimismo

Eu não sei se as pessoas que têm esperança nas coisas grandes e boas colecionam mais alegrias ou frustrações ao longo da vida; o fato é que eu não tenho. E acho que sou infeliz. Todavia, me considerar feliz seria otimismo, e ser otimista é um erro. De todo modo, não mudo, já estou velho demais pra mudar. Paradoxalmente, posso até dizer que sou feliz sendo infeliz.

Schopenhauer esteve certo o tempo todo. As coisas negativas da vida serão sempre maiores que os aspectos positivos que possam existir, se é que existem. E pode até ser que eu seja meio insensível pra isso, mas perceber o ódio que sentem por mim vem sempre primeiro que o prazer de me descobrir amado. O que não deve ser exclusividade minha: os atos de agressão são sempre mais visíveis; os atos de carinho é que são muito mais raros, porque nós, terráqueos, desenvolvemos mecanismos de defesa que nos fazem esconder aquilo que achamos ser pontos fracos em nós. Se a experiência de ser magoado é horrível, o melhor é não dar margem a surpresas ruins e, assim, as surpresas boas, apesar de poucas, serão suficientes para regar o fio da vida com alguns racionados goles de alegria.

O fato é que, talvez, a receita da felicidade seja esta. Não esperar coisas boas. Descobri que, antes de tomar o sorvete, ter a certeza de que ele vai cair no meu pé, logo nas primeiras lambidas, resulta quase sempre no inusitado de chegar ao fim sem vexames. Acreditar antes que o professor vai dar um nota ruim e ainda me esculachar publicamente me faz avaliar depois que tudo foi muito melhor do que pensei que seria. Acreditar que a infelicidade é inexpugnável é uma dádiva que me mantém resignadamente satisfeito. E sem me importar muito com o fim de tudo, que será definitivamente final, vou andando muito tranqüilamente, sem pressa nenhuma de chegar ao final da estrada. Não deve haver nada de bom no fim dela.