29.5.07

a vida... a vida anda em transportes coletivos

Sim, lá é que há vida.

Mas hoje, enquanto vinha para casa, senti uma sensação esquisita, bem menos engraçada que as habituais. Fui observando as coisas e, sim, eu vi.

Após a jornada de trabalho, o torpor causado pelo stress, as dores criadas pelos cérebros em intensa atividade, as fadigas coletivas nos transportes coletivos, o cochilo roubado ao desconforto, os solavancos imperdoáveis, a garoa pintando de cinza a janela, a janela abrindo às trepidações, a opressão do metal frio às frias mãos, o rosto sonolento em multidão, cinza, frio, opressão – pequenos indícios que nos fazem perguntar: não será tudo um sonho ruim, somente?

27.5.07

Que o autor de Dom Casmurro fosse um chato como pessoa, vá lá. E pouco importa. Escrevendo ele era bem divertido, e ainda conseguiria irritar e agradar, a um tempo, e com uma só anedota, a Proudhon e a Nietzsche, respectivamente.

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Era uma vez uma choupana que ardia na estrada; a dona, – um triste molambo de mulher, – chorava o seu desastre, a poucos passos, sentada no chão. Senão quando, indo a passar um homem ébrio, viu o incêndio, viu a mulher, perguntou-lhe se a casa era dela.

– É minha, sim, meu senhor; é tudo o que eu possuía neste mundo.

– Dá-me então licença que acenda ali o meu charuto?

O padre que me contou isto certamente emendou o texto original, não é preciso estar embriagado para acender um charuto nas misérias alheias. Bom Padre Chagas! – Chamava-se Chagas. – Padre mais que bom, que assim me incutisse por muitos anos essa idéia consoladora, de que ninguém, em seu juízo, faz render o mal dos outros; não contando o respeito que aquele bêbado tinha ao princípio da propriedade, – a ponto de não acender o charuto sem pedir licença à dona das ruínas. Tudo idéias consoladoras. Bom Padre Chagas!

Quincas Borba, cap. CXVII

20.5.07

Sobre as causas da violência

As razões da desordem brasileira, ao contrário do que se pensa, não são sociais: são psicológicas. Tudo se pode resolver pela pedagogia. Mas, muito ao contrário do que pensa Gabriel Chalita, que tem um currículo invejável, sim senhor, que é muito bem preparado, sim senhor, que provavelmente nunca entrou em sala de aula, não senhor, não há pedagogia do amor possível. A única pedagogia real é a pedagogia do ódio.

Só se pode incutir valores éticos ou cognitivos mediante uma ação autoritária que resulte em conquista de respeito. Donde se conclui que é melhor ser temido que amado. Aqueles que amam tentarão a todo custo tirar vantagem do objeto amado, ao passo que aqueles que temem servirão o objeto do temor até o limite das forças.

Ora, na educação como na segurança pública, o trabalho é o mesmo. Basta saber que num lado educa-se; no outro, pune-se. E se no primeiro não mais se pune, e se no segundo não mais se educa, é um erro, que somente posso atribuir à decadência dos nossos tempos. Importa agora reconhecer que há crise de autoridade num e noutro lado.

Em São Paulo, com todos os enroscos, ainda se vai razoável nessa matéria, se comparado ao Rio. Que zona se tornou esta cidade! Naquela ao menos não se vê bala perdida a cada dia, gente morrendo o tempo todo, policiais correndo de bandido a cada ação. Parece que a bandidagem paulistana tem ainda algum medo da polícia. No Rio, não. Desafia-se-lhe.

E a razão disso tudo é psicológica. Em São Paulo, as cores das viaturas são preta, cinza e vermelha. São cores fortes. No Rio, as viaturinhas são azulzinhas. E que corzinha bonitinha, adoro azul! Mas, cá pra nós, não bota medo em ninguém.

15.5.07


escrevamos:
uma vida só é útil
se gasta em coisas inúteis.

perdendo tempo em coisas úteis
nem percebemos a vida perdida.

e a vida,
ganhada e perdida,
a vida é pra ser percebida:

que a utilidade mais alta da vida
é perceber a vida não ter utilidade.

11.5.07

Das castas

Em tempos de expansão marítima, jesuítas, viajantes e colonos portugueses indistintamente nomeavam “negro” aos índios brasileiros e escravos vindos da África. A denominação, que hoje nos parece esdrúxula, servia para assinalar a diferença branca do conquistador. Naqueles tempos não convinha aceitar pluralidades, e entender diferenças nunca esteve na ordem do dia, em lugar nenhum. Assim era o século XVI.

Em Goa, outra possessão lusa, a heterogeneidade do indiano ofereceu dificuldades ainda maiores ao entendimento ocidental, que, se não se atreveu a uma classificação racial, resolveu o conflito reduzindo ao conceito de “castas” uma realidade cultural muito mais complexa, ignorando aspectos como ascendência, profissão, diversidade religiosa e origem geográfica. Ao europeu, porém, o que se tinha ali era tão-somente uma rígida e imutável divisão social. Assim eram as castas. E, deste modo, o XVI legou aos atuais países emergentes um misto de memória colonial, atraso e incompreensão.

Até hoje o indiano, pelas suas diversidades, causa problemas. Kanavilil Rajagopalan, lingüísta, professor da Unicamp, de origem hindu, conta que, ao fazer nossa carteira nacional de habilitação, apareceu a temida pergunta, “Qual é sua cor?”, ao que ele respondeu, “É marrom”, o que levantou problema para a classificação tradicional. É claro que a atendente não resolveria uma questão secular em tão poucos segundos, mas fez o que era possível: “Qual sua profissão?”, “Sou professor universitário”, “Ah, então o senhor é branco”. E assim é o século XXI. E assim são as castas.

7.5.07

É por isso que odeio as segundas. Hoje acordei com uma vontade terrível de ficar na cama, mas acabei saindo no frio. Nos outros dias, nunca me ocorre pensar nessas besteiras.

2.5.07

Já tive em muitos braços
Alguns laços.
Vários nós.

E quase nenhum eu.