31.8.12

Jornal de Ciências Sociais # 3

Meus amigos, meus inimigos

Leiam, gozem ou achincalhem o Jornal de Ciências Sociais - aqui vai a versão digital. Colaborei com, na seção "racismo em debate". Quem quiser o papel, eu mando.



No site do colegiado, acham-se os números anteriores.

3.8.12

O politicamente correto


Há mais ou menos 7 anos, pouco antes de o heróico Roberto Jefferson anunciar o mensalão, o governo federal brasileiro cometeu um equívoco. Não foi a compra dos parlamentares - operação tão velha e banal como o próprio dinheiro. O equívoco foi a publicação de um Manual do politicamente correto (que só é equivocado se a intenção foi, como parece, eliminar preconceitos/racismos etc. etc. por meio de ideias). A oposição - de partidos políticos a associações ruralistas, passando por setores da imprensa paulista, filósofos blasés, comediantes e blogueiros da Veja - caiu em cima. Resultado: desde então, qualquer atitude que mire algum princípio ético, real ou imaginário, posto no presente ou no futuro, é tachado de "o politicamente correto". Não fosse isso, a publicação teria sido totalmente inútil; mas, na medida em que serviu como objeto de crítica à atividade filosófica de racistas, homofóbicos, militares do alto escalão, conservadores, evangélicos, seguidores do reverendo Moon, diretores de jornalismo da Globo e a classe média do eixo Rio-SP que os assiste - toda essa gente boa - e, ainda mais, por ter se convertido em alvo comum de parlamentares machões e toda a canalhada que navega pelo caldo do capital tardio do sul, incompleto e incompletável, o "politicamente correto" terminou por produzir involuntariamente um bom motivo para mascarar os piores vícios, que, travestidos de liberalidade, insurgem-se furiosamente contra qualquer palavra em nome das regras de boa convivência ou, que vem a dar no mesmo, humanidade.

Desde então, apontar o racismo, armar-se contra a violência, denunciar a injustiça, exigir a verdade dos cadáveres desaparecidos, defender direitos humanos (como o aborto), dar pão a pobre (inda mais, a pobre nortista) - tudo é "a ditadura do politicamente correto", que cerceia a liberdade de ser vil. A reação ao "politicamente correto" é a reação do politicamente errado. É o conservador em barbas revolucionárias, é o atraso elevado à vanguarda, é a moralidade dos imorais, é a sagração dos instintos sujos. Nesta reconversão dos valores, Ali Kamel escreveu que "Não somos racistas": Arnaldo Jabour aplaudiu. E até a Inquisição foi beneficiada, no verbete Isabel I de Castela: "Seu legado também tem um lado mais politicamente incorreto: favoreceu a inquisição espanhola (esta que não era uma instituição da Igreja) e foi responsável pela expulsão dos judeus da Espanha em 1492 (Decreto de Alhambra)" (grifo meu). Nem a Wikipédia escapou do ardil oposicionista. De um lado, o politicamente correto torna-se desprezível e, de outro, o desprezível suaviza-se até o purgatório do "políticamente incorreto". Donde se conclui que a revivescência de valores tipicamente de direita não é privilégio da Europa. Se levada ao extremo tal re-valorização, a revolta contra um parlamentar corrupto não tem mais valor algum: aquela, por ser desprezível; este, por não ser tão desprezível assim.

É singular o caminho do PT. Sob orientação neokantiana, movido a revoltas contra a corrupção, estrela vermelha das CPIs - em defesa da ética nasceu um partido, já glorioso na origem, já operário, já de esquerda, porém renovada, isto é, não marxista. Pra botar ordem na coisa. E perde-se neste labirinto da moral. Há alguma coisa errada neste caminho, que, como o manual, deve ter sido repleto de boas intenções, tanto em gênese como em desenvolvimento, gerando embora produtos tristes e mesquinhos.