26.2.08

Despedidas

Eu sentirei falta do Fidel e seus discursos. Pronto. Falei.

19.2.08

Sobre as restrições ao tabaco

Cá na província brasileira, desde fins da década de 80 uma série de medidas restringindo o consumo de cigarro foram adotadas. E como a maioria das leis, não funcionam. Já se obrigou a escrever advertências no maço, já se proibiu propaganda em rádio e tv, já se vetaram os patrocínios a eventos esportivos, já se chocaram pessoas com ilustrações sobre os danos do fumo e, agora, desde a semana passada, São Paulo já tem lei municipal (até justa) contra o fumo em locais que não tenham área reservada para tal prática perniciosa (detalhe: a lei é de junho de 1990). E ainda estuda-se encarecer o produto com impostos. As autoridades paulistanas, porém, não foram tão radicais quanto as francesas, que em 2007 proibiram o fumo em bares, restaurantes, cassinos, discotecas e o diaba-quatro de maneira ampla, geral e irrestrita.

Estas leis podem até ser justas, podem até reduzir o consumo, mas nunca vão eliminá-lo, simplesmente porque os fumantes não são todos iguais. Existem quatro tipos de fumante: os radicais, os moderados, os culpados e os convictos. Os mais perigosos e inconvenientes são os primeiros, que não têm bom-senso, compram marcas falsificadas e fumam quatro maços por dia. Cigarro mais caro talvez vá duplicar esse grupo que fuma os paraguaios. Os moderados, caracterizados pela drogadicção de fim de semana, são os mais sem-vergonhas, porém os menos inconvenientes: estes não devem ligar pra cigarro caro. Os culpados são os mais chatos: ficam a se lamentar do vício a toda hora, e irritam até os próprios parceiros, a quem tentam transferir parte de suas neuroses. Saindo a nova lei, têm uma boa razão pra parar, e isso vai ser bom pra todos, todos mesmo. Os convictos são uns poucos que ainda resistem, ainda rebeldes, mas já cansados, já com dúvidas, já sozinhos, ante a marginalização contínua a que vêm sendo submetidos. Não sei como o cigarro caro afetará esse último grupo, mas, para um bom fumante, creio que o ideal seja uma mescla de convicção e moderação. Às vezes, me dizem, “Nossa, mas v. fuma tão pouco, por que não pára?”, ao que respondo orgulhoso, “Mas não fumo pouco com intenção de parar. Fumo pouco para fumar a vida toda.” Afinal, a humanidade usa droga há séculos e no curto espaço de tempo em que vivemos alguém tem de manter acesa a brasa da rebeldia e da tradição. Ainda que fumar cause infarto e morte, olhar a questão pela perspectiva histórica vai nos mostrar que isto é um nada.

O grande problema é outro: ir pro céu e não ter área pra fumante lá, isto sim é que será o inferno.

11.2.08

Antero de Quental

Antero de Quental, líder da geração de 70, poeta, político, revolucionário, símbolo do realismo português, em 11 de setembro de 1891, em profunda depressão, suicidou-se com um tiro na cabeça, numa praça pública, romanticamente, com toda a ironia que este romantismo represente para um realista. E, coincidentemente, nestes dias de conversas sobre tanatologia, uma amiga me falou sobre o Parnaso de Além-Túmulo, um livro publicado em 1932 por Francisco Cândido Xavier. Melhor, trouxe-me. Recebi com o gesto de desprezo que o meu discreto ateísmo recomendava. E quando abri suas páginas... meu deus! Uma enxurrada de poemas psicografados pelo médium por volta de 1931. De Casimiro de Abreu a Augusto dos Anjos, passando por muitos nomes significativos da poesia luso-brasileira. Fui logo a Antero de Quental, Guerra Junqueiro e a turma toda que, enquanto vivos, viveu descendo o cacete em tudo, sobretudo em Deus. E foi impressionante.

O Remorso

Quando fugi da dor, fugindo ao mundo,
Divisei aos meus pés, de mim diante,
A medonha figura de gigante
Do Remorso, de olhar grave e profundo.

Era de ouvir-lhe o grito gemebundo,
Sua voz cavernosa e soluçante!...
Aproximei-me dele, suplicante,
Dizendo-lhe, cansado e moribundo: –

“Que fazes ao meu lado, corvo horrendo,
Se enlouqueci no meu degredo estranho,
Acordando-me em lágrimas, gemendo?”

Ele riu-se e clamou para meus ais:
“Companheiro na dor, eu te acompanho,
Nunca mais te abandono! Nunca mais!”

Este soneto foi atribuído a Quental. Eu não sei o que gente que entende muito de literatura vai achar disso, mas pra mim, de significativo em termos de conteúdo, chamou-me a atenção a referência ao suicídio do autor e ao corvo de Edgar Allan Poe. Quanto à forma, é indiscutível a qualidade do soneto: vocabulário erudito, métrica perfeita, rimas ricas, talvez raras. Indubitavelmente Poesia. Quanto ao conjunto formado pelo livro, só sei de uma coisa: duvido, duvido muito que do alto de seus 21 anos de idade Xavier tivesse bagagem cultural suficiente para criar, sozinho ou com ajuda de amigos, algo tão engenhoso, poemas tão bem acabados e a um tempo tão singulares que nos permitem identificar realmente os traços estilísticos de um Castro Alves, de um Alphonsus de Guimaraens, de um Cruz e Souza. E embora isso não me tenha convertido ainda, confesso-vos que estou besta. Volto ao assunto quando concluir a leitura.

1.2.08

Uma história sobre histórias

O Cemitério São Pedro, situado na Vila Alpina, abriga, entre muitas histórias trágicas, um caso singular. Em 1974 treze corpos foram enterrados lado a lado. Eram parte dos 179 mortos do incêndio ocorrido no dia 1 de fevereiro, no Edifício Joelma. O que diferencia estas treze almas é o fato de que, por terem sido carbonizados, não puderam ser identificadas. Grande parte dos sobreviventes, mais de quatrocentos, escaparam do prédio em chamas graças ao elevador e aos denodados ascensoristas. Mas, após diversas idas e vindas, o sistema dos elevadores foi afetado pelo incêndio, causando a ruptura dos cabos e a posterior carbonização dos seus treze ocupantes.

Fui até lá esta tarde. Encontrei o seu João. Há mais de um ano, seu João, funcionário do cemitério, faz a manutenção do local, que além dos túmulos, conta com uma capela erigida em memória das treze almas. Uma infinidade de faixas, placas de mármore e flores rodeiam os jazigos. Na maior parte, agradecimentos por graças alcançadas. “Quem não acredita, que não caçoe!”, é o que adverte uma das devotas visitantes que encontramos no local. Já alcançou uma graça, tem fé que alcançará uma outra que necessita, e fala com a naturalidade daqueles que vêem a existência das coisas inverossímeis e a certeza de nosso desconhecimento da verdade. Uma outra senhora relembra o dia, quando tinha 17 anos e, trabalhando defronte ao edifício, viu e ouviu as cenas e os gritos de terror. Lá pelas tantas, lembra ao seu João que é importante “regar” os túmulos. Explica o porquê: quem morre carbonizado sente muita sede.
Então seu João percebe como tudo faz sentido. Conta-nos que, ao tempo em que era coveiro, sepultou uma criança cujos pais não tinham dinheiro. Assim, ele por conta própria plantou umas flores e, mal passou o tempo, já lá havia um pequeno jardim sobre a cova. Mas o fato intrigante é que, pouco tempo depois do sepultamento, um menino aproximou-se dele e pediu um copo de água. Seu João deu-lho. Mas era o mesmo menino que havia sido sepultado! Quando os pais finalmente voltam para visita, surpreendem-se com o túmulo tão bem cuidado, e ao descobrirem quem foi o responsável, alegram-se e conversam. E enfim revelam ao coveiro a causa mortis do filho: fogo.

Esta foi uma tarde que precisa ser refeita.

É claro que acredita quem quer. Mas há a lição de Alex Castro sobre uma de nossas prisões: que importa crer ou não crer? Boas ou más, crenças e descrenças sempre limitam as visões. E o que se colhe do contato com as histórias alheias, ou do além, é sempre a beleza da experiência humana, diversa, prodigiosa, incomum. E transcendente. Porque estas histórias estarão sempre acima das idéias e conhecimentos ordinários.