1.5.14

ATÉ VÓS!


Até vós,
Ó vendedores ambulantes,
Deliberastes por
Cotidianamente
Virdes a me ofender e humilhar...
A mim!
Que tão cônscio sou de nossa pertença mútua,
E da carnal irmandade,
E da classe que somos,
E das comuns desgraças,
Da opressão que sofremos,
Da história que temos 
– Bonita sim senhor, mas triste –
(nada que nos faça chorar,
mas ao bom silêncio chamam santo)
Que muitas foram as tragédias,
As revoluções perdidas,
Os pelotões de fuzilamento,
Os amores despedaçados,
Generais em labirintos,
As guerras mundiais,
Guerras de guerrilhas,
Greves massacradas,
Portas arrombadas,
Grávidas torturadas,
Desaparecimentos,
Mais crianças órfãs,
Injustas agressões,
E prisões clandestinas,
E julgamentos falsos,
Ditaduras militares,
Becos sem saída,
E o futuro ausente,
E mais,
E mais,
De tudo isso não se podendo compreender jamais
Por que é,
E pra que é,
E como é
Que me chamais,
Assim,
Tão estranhadamente:

– Patrão...


9.3.14

Este 11 de agosto - de uns anos atrás, talvez 2012 - passou sem festas, sem presentes, sem bebidas, sem cigarros, mas sempre serviu pra pensar no que sou, na maior dificuldade de ser eu, ou mais precisamente, de sempre estar a me tornar outra coisa, de mudar de casa, de cidade, de estado. O que me incomodava tanto não era a mudança; era o movimento. Sem datas, sem horários, sem produto final. E agora, que parei, não aguento mais fazer as mesmas coisas. Não posso mais trabalhar, este fardo. Posso viver de qualquer maneira, trabalhar em qualquer coisa que goste, ganhando o mínimo, vivendo só o suficiente, comendo pouco; as diversões mais primitivas me bastando. Tudo, menos isso. Não posso respirar. Isto sempre aconteceria, eu sempre soube. Mas não bastou ter lido a Bíblia, São Bernardo, o Capital. Tinha que vivê-los: ser Paulo Honório, entre Deus e o diabo, levantando uma vida sem significado. Fui advertido, e nunca dei o real valor que tudo tem. E nunca chamei cada coisa pelo seu verdadeiro nome. É isso. Isso deve ser estragar a vida, estragá-la estupidamente.

9.11.13

Dia a dia



Escola em dia de prova: uma procissão de almas mortas, enterradas nas carteiras, empurrando o passar do tempo, receosos da nota, da cola, do olhar severo do capataz à espreita, à tocaia, à vigília, semblante fechado, cara de mau, irascível, pronto a descarregar todo o ser sobre os seres, do alto da torre da prisão, do presídio, do cemitério da inteligência viva, do túmulo da alegria jovem, sepultando num ritual solene as horas sem fim da manhã chuvosa e fria, em que a piada é ilegal, a conversa é proibida, o olhar é para a nuca do semelhante – controlando o tempo, o espaço, o movimento, o sorriso, aí está a escola, o aluno, o professor. E não reclamem. Vocês vão ver como é o ensino médio. Vocês verão o mercado de trabalho. Que a coisa por aí não tá fácil. É desânimo e mal-estar. Não se trata só de falta de ânimo. É um incômodo, uma dúvida, uma sensação paulohonoriana: estraguei a minha vida, estraguei-a estupidamente. O que há de meu ou de mim nisto tudo? Parece que todos os medíocres seres pelos quais passei, que sobrepus a mim e deixei no passado – qualquer um podia fazer o que faço. É insustentável. É preciso ir embora. Mas há as contas, as mensalidades, os compromissos e os sonhos. Que fazer? Hoje, antes do almoço, tomo um copo mais cheio de pinga. Senão eu congelo por dentro. Em que maldito momento escolhemos a educação? Todos os dias...

1.12.12

Uma ideia engenhosa


"Mais uma vez, brigadão pelo som. (...) Sei que é sacanagem colocar os cds assim na internet porque não compra os cds, mas existe uma tendência dos artistas ganharem mais em shows do que na venda de CDs."

Ah, os indivíduos! entrelaçados uns com os outros, produzindo suas ideias...

5.11.12

Nunca mais!

E eu juro que nunca mais, a partir de agora, me entregarei a atividades fúteis, que sejam principalmente inúteis ou intrinsecamente hipócritas, que continuem a mediocridade geral da vida, do sistema, da sociedade - que seja! - não!, eu serei definitivamente livre no futuro, que existirá sim, pelo amor de deus parem com as malditas previsões apocalípticas de fim de mundo, de catástrofe ecológica, de crise econômica - que o pior de todas essas coisas é que o mundo não acaba, a água continua a chegar nas torneiras (desde que se pague a conta), a crise econômica é só um "momento" da economia, do qual todos esperamos sair. Ah... eu estou farto. Como tenho vontade de cuspir em todos vocês e, especialmente, neste ser que tenho sido. Indigno da eletricidade que consome, da pipa empinada por Benjamin Franklin.

3.11.12

A modernidade, a escola e o tédio


A vida moderna é um tédio. Por quê? Tudo acontece sempre no mesmo ritmo, da mesma forma, do mesmo modo. E tudo o que vem depois, a seguir, é sempre alguma coisa que a gente já estava esperando. E a gente espera, espera bastante. A gente espera na fila do supermercado, a gente espera na fila de ir ao banheiro, a gente espera na fila da rua, do cinema, da festa. Por que não ficamos simplesmente em casa? Nesta fila imensa de casas que estão ao meu lado. Neste beco reto ou naquela rua curva - é sempre igual.

Se não tivéssemos sido educados, nunca viveríamos assim.

05 de junho de 2012. Uma escola. Prova da OBMEP (Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas). Oitavo ano A. Os alunos reclamam que não foram avisados. Perguntam se valerá nota, o que acontecerá se não fizerem? Informam-se sobre a duração da prova; respondo que serão três aulas. Lamentam. Perguntam o que acontecerá se acabarem antes. Digo que é inútil: melhor fazerem devagar, com calma, pois a folha de respostas só será entregue faltando 30 minutos para o final. Resmungam contrariados. Um terço da sala faltou (é antevéspera de feriado prolongado). Há grupinhos concentrados na sala vazia. Separo alguns; reclamam. Começo a ler as instruções: dizem que não precisa. Sento-me e tento resolver a questão um. Vinte minutos depois uma aluna me pergunta se deve passar a caneta, se pode deixar a lápis. Respondo que pode. Ela acabou: cruza os braços sobre a carteira e, porque desconfortável, ajunta ainda alguns materiais - cadernos e livros -, para ter melhor apoio, e dorme. Antes dela, mais uma aluna, passados dez minutos, já dormia. Com 40 minutos decorridos de prova, dez dormem, três olham fixamente um ponto à frente, um estala os dedos, um outro está inquieto e agora tenta dormir, e agora levanta a cabeça, um atrasado - que chegou às 07h50 - fez a prova em 20 minutos e agora desenha, outro lá ao fundo - dos últimos a acabar - agora rabisca a carteira, e só uma menina faz - não, esperem, ela boceja e bota a prova sob a carteira; acabou, e põe-se a esfregar a borracha na mesa, apagando os cálculos. Seu lápis cai; ela pega. Senta-se meio torta, as pernas ligeiramente voltadas pra direita, mãos lançadas sobre a mesa, cabeça a descansar, cabeços longos estendidos sobre a lateral direita da fila, um braço direito esticado, a mão já tocando a cadeira à frente, braço esquerdo dobrado, mão a apoiar o queixo - agora muda, junta os pés ao centro, endireita-se e cruza os braços na mesa, apoia a testa frontalmente sobre os antebraços - e sossega. Foi a última a acabar. São 08h20; faltam 40min para as 9h. Gabriel e Biatriza começam a conversar baixinho. Advirto-o e ele obedece, até certo ponto, pois já se virou de novo. Só entrego a folha de resposta às 9h, pensei: passo para a questão dois. Por que tenho a sensação de que fiz algo errado? 08h35 - explodem alguns focos de conversa, baixa, quase muda: mando Debbie virar-se (ela conversa com Rafaela Feitosa, que está atrás). Ela atende e vira-se, com uma cara triste e, ao mesmo tempo, engraçada, quase sorridente. Há um grande barulho de crianças pequenas, vindo do pátio. A manhã é escura, o tempo é frio: chove ou garoa agora. 08h43 - chove mais forte. Ouço o som no telhado, gordas gotas. Rafaela Feitosa vira-se outra vez para trás. Não preciso falar, ela mesma se corrige - e a Helena, colega de trás, não tem outro remédio senão dormir. Mateus Mota, à primeira carteira da fila da porta, braço esquerdo parcialmente encostado no joelho esquerdo, braço direito completamente apoiado no joelho direito, mão a segurar o queixo, olha desoladamente para o chão, triste e calado. A chuva sobre o telhado. 08h50 - entrego a folha de respostas. Luna preenche as respostas em tempo recorde: 3 minutos. 09h03 - fim da prova.

Todos entregaram.

8.10.12

A social-democracia apimentada: particularidades da política em países de extração colonial


TV Cultura, vésperas da eleição de 1994, Brizola no centro do Roda Viva.



Clóvis Rossi (questionando a natureza da social-democracia, que no mundo todo envereda pelo neoliberalismo): "O sr. parece um soldadinho marchando em direção contrária ao batalhão, e acha que todo o batalhão tá errado, só o sr. tá certo." 

Leonel BrizolaSabe o que ocorre? Uma vez o Willy Brandt [1913-1992, social democrata alemão] me perguntou: Brizola, qual é o futuro da social democracia no Brasil? Digo: olha, eu acho que é um encontro com nosso destino. Porque... embora existe muita impostura. Nós já tivemos até um partido social-democrata, que era um partido dos latifundiários, era um partido das oligarquias, era o PSD. Agora surge o Partido da Social Democracia (PSDB), cheio de democratas-cristãos, porque o sr. Montoro - meu prezado amigo Montoro é um democrata cristão, de raiz, de origem. Democrata cristão? - eles lá perguntam. É, sim senhor... Então, acontece que há muita impostura no Brasil. Mas eu disse a ele: agora, Dr. Brandt, não é como aqui [Europa]. A social-democracia brasileira tem um pouco de pimenta malagueta. O sr. sabe o que é pimenta? Não. Então eu expliquei o que era pimenta. A social democracia, num país como o nosso, não pode ser igual à espanhola, nem mesmo à espanhola, muito menos à alemã. Nós, aqui, quando queremos fazer as reformas internas, nós vamos proceder e tocamos no interesse internacional. Lá não. Eles fazem o que querem internamente. Então, a social-democracia do terceiro mundo é diferente de lá.