25.11.07

Somente muitos minutos mais tarde é que você, relutante, vai aceitar a existência das coisas fantásticas, quando, guardando cerveja na geladeira, deixa uma delas cair. Milagrosamente, a longuinéque não se quebra. E eis que, ainda a duvidar da normalidade, e mesmo pressentindo a sobrenaturalidade assombrosa das coisas imprevisíveis, segue produzindo diálogos desta natureza:

– Ah, não quebrou, menina, mas isso não é possível – e beija a chapinha de metal –, devia mais era ter quebrado: eu NÃO posso fazer isso com você! – e faz um cafuné no rótulo.

Espero que seja apenas alcoolismo. E não insanidade total e irreversível.

21.11.07

Dúvidas e certezas

Não, dessa vez emaluqueci. Tô aqui, bem, tudo bem, com quase tudo, oxigênio, calor, algum espaço com alguma lama para chafurdar, mas... é estranho. Parece tudo bem, mas tô com aquela tal comichão no cérebro aliada a um apertãozão no peito, fundo, melancólico, de nostalgia, sei lá do quê, de alguma coisa que eu ainda não conheço.

Não é pela morte de ninguém: nunca levei ao cemitério nenhum ente querido. Talvez por isso até acho romântico andar em câmera lenta, por entre catatumbas, em silêncio, ouvindo Atmosphere. Também não é por desilusões amorosas: já estou velho e maduro, e isso é coisa pra adolescente emo. Não é pela solidão nem pela tristeza: conheci que ser feliz é aprender a ouvir a beleza que existe no silêncio. Trauma de infância não pode ser: pobre não tem infância. Não, definitivamente, não é isso. Parece ser alguma coisa que eu ainda não vi.

Talvez seja liberdade.

Estremeço ao pensar nisso. Porque, realmente, é isso. Estou preso. A pensamento e lógica que me faz soar irracional se os contradigo. E, ironicamente, quando digo o que penso a seriedade me abandona, e fico a sós com um cinismo que me marca como louco. Como um louco que diz o contrário do que pensa. E já nem posso acreditar em minhas crenças. Que meu fascínio não é pela vida, é pela morte. Que meu encanto é pelo choro, não pelo riso. Que não vejo nos casamentos a beleza que aspiro nos divórcios. Que meu conceito de amor é uma piada. (Muitas vezes, quando a tarde começa a cair, e sombras de árvores se espalham no chão, e olhos brilham, e suspiros balançam no ar – ama-se tanto, que se vêem coisas visíveis e invisíveis, muito mais no amanhã que no hoje, muito mais no céu que na terra, muito mais cupidos vendando que cupidos vendados, e quando se dá conta se está com febre. Ou ensolação. E a única saída, ou cura, é passar a odiar o objeto do amor. Ser amado então é um perigo no escuro. É por isso que eu amo muito mais as pessoas que me odeiam – porque conheço-as.) Mas estou indo longe demais. Volto.

Volto à razão. Já agora nego a negação que professava.

E sigo acreditando que só há uma crença a seguir, só um norte a buscar: felicidade. É, sim senhor, felicidade. Honestamente, felicidade é a melhor e mais simples coisa do mundo – felicidade é ter um bom espaço de lama para comer, defecar ou chafurdar nas horas quentes do dia. Porque fora do chiqueiro é perigoso, prende-nos a seu interior a corrente da razão. Mas com espaço suficiente para caminharmos em círculos, desenhando à vontade pensamentos altos, livres, no piso enlamaçado da prisão.

20.11.07

Outra vez a tal da arte...

Sabe quando te falam daquele livro, daquele filme, daquela música, que é clááássica, e v. ainda não leu, não viu, não conhece? E ficam dizendo e redizendo sobre a genialidade, o estilo, a belezura que é a obra e o autor? E sabe quando, enfim, v. acaba aceitando, meio sem jeito, uma recomendação, um empréstimo, uma companhia para a tal contemplação da arte? Pois é. E tudo para, ao fim, restar a frustrante sensação de desgosto por não entender como o mundo elevou tão alto algo que te causou unicamente sono.

Foi mais ou menos assim que li todos os meus Shakespeares: Lear, Macbeth, Hamlet etc. E já que acontenceu isso, achei bom criar alguns mecanismos de defesa: 1) nunca dizer nada a ninguém; 2) caso diga, anexar alguma desculpa. Exemplos: a) li em um mau momento da vida; b) traumas de infância me bloqueram; c) não curto este gênero artístico etc. Pro caso do Shakespeare, dava sempre a última, e ainda atribuía culpa a Chico Buarque e Paulo Pontes, que escreveram em 1975 Gota d’Água, primeiro item de uma enfadonha série dramática que vim a ler por obrigações curriculares.

O diabo é que passeando pelo Rio num feriadão chuvoso e frio, sem muita opção, acabei assistindo-a, encenada ali na Glória, do ladinho do hotel homônimo. E não é que foi uma beleza? Inspirado no drama grego Medéia, de Eurípedes, e adaptado à experiência capitalista que em mãos militares aprofundou a concentração de renda no Brasil, o musical é de fazer rir e chorar: o empobrecimento da maioria financiou o milagre econômico e possibilitou o desenvolvimento da classe média. Mas faz pensar. Porque a obra não credita o estrago social unicamente à ditadura militar. O foco está no processo de cooptação dos melhores quadros, dentre os proletários, para servir ao jogo econômico do tupiniquim burguês.

Sempre que um cara menos bichado
surge aqui, pagam seu peso em ouro
pra levá-lo embora. Resultado:
mais negro fica este sumidouro
mais brilhante fica o outro lado
e o seu carnaval, mais duradouro

E a verdade esteve sempre aí, explicando como os opressores foram enfraquecendo os oprimidos e ganhando a guerra (que, aliás, tem um espólio nulo, porque resultou em miséria e exclusão de uns, intranqüilidade e neurastenia de outros, e num caos social comum). Ingresso: 25 réis (e pra meia entrada não pedem carteirinha em momento algum). O filho da “Medéia” cometeu dois erros: desafinou cantando a música do pai; deixou ver que continuava respirando depois de morto. E, segundo um amigo gramático, o excesso de ênclises em algumas bocas ficou irreal. Enfim, nem tudo são flores, mas gostei.

O que me preocupa é que agora minha desculpa foi por água abaixo. É melhor não dizer mais nada sobre o bardo inglês. Falarei somente de dramaturgos caboclos daqui pra frente.

8.11.07

Coisas de que desconfio

Desconfio que a ética não se perdeu somente na esfera estatal brasileira. O universo das empresas privadas é alimentado por um fluxo de lama onde chafurdam os mais irritantes, cínicos e mesquinhos interesses. Como se não bastasse a má qualidade dos serviços, as dificuldades com conexão, o congestionamento das centrais de atendimento, as orientações contraditórias, a ausência de uma agência reguladora, características relativas a qualquer provedor de internet, o meu aperfeiçoou seu nível de imbecilidade. Ao ligar, além de admitir que suas linhas estão muuuuito ocupadas, eles chamam-nos deliberadamente de trouxas: Caro internauta, estamos com um grande volume de ligações. Entre em contato conosco via chat ou pelo emeiol suporte@... Porra! Quem liga para o provedor, liga para resolver algum problema ligado à conexão com internet. Então, como acessar chat ou emeiol? Isso é quase loucura. Mas desconfio que a loucura maior seja a gente ir tacitamente permitindo que o fim único e exclusivo das empresas seja, de fato, o lucro. E assim elas vão-se isentando de coisas como o respeito ao consumidor, a responsabilidade social e o dever de gerar empregos para o progresso da nação.