31.8.09

E agora professores das redes estadual, municipal, particular etc. perderam seus sábados até o fim do ano: a maioria das escolas anunciou reposição das aulas perdidas com a gripe. Inclusive a minha. E foi assim que eu disse à minha querida diretora que não topava.




P.S. Se fiz mesmo isso? Bom, na segunda passada, finalmente consegui entregar isto à sra. diretora, que é realmente querida. Após algum tempo, chamou-me para alguns esclarecimentos. Após uma conversinha nossa, acabei convencido de que a versão a ser enviada para a secretaria de educação deveria ser mais light, menos emotiva, por este motivo e mais aquele outro, de maneira que eliminássemos termos como "necessidade de ócio", "cansativa jornada", com alguma hipocrisia, sem tanto atrevimento e antíteses padrevieirianas. E foi o que fiz, na terça. Com que direito posso eu querer ser sincero, íntegro? Seria muita audácia para este tão primitivo estágio da história. E, outra vez, deixei de ouvir o que sentia para dizer somente o que raciocinava.

Sim, mesmo eu, que tento ser só o que sou, o que sou mesmo é um grande bunda-mole.

De qualquer maneira, não trabalharei aos sábados.

30.8.09

Tempo

Num momento quando já não tinha argumentos para explicar o absurdo que aos poucos vou praticando, um bom amigo me falou numa tal oposição entre cronos e kairos. Até nessa hora os gregos ajudam. Eles, realmente, pensaram em tudo:

Para os gregos, cronos representava o tempo que falta para a morte, um tempo que se consome a si mesmo. Por isso, seu oposto é kairos: momentos afortunados que transcendem as limitações impostas pelo medo da morte!

Gostei muito de ler isso. Acho que começo a entrar numa fase espiritualista, embora cada vez mais crente no materialismo dialético. Vá lá entender.

24.8.09

Antropologia

Sábado, pus-me pra fora do abc paulista e fui à capital, até a praça Roosevelt ver os "120 dias de Sodoma". Não sei se fiz bem em revê-los. Fazia tempo que não passava pelo centro velho. E agora, além das crianças malabaristas, pirotécnicos, limpadores de parabrisas, mendigos enrolados em cobertores imundos – temos novos rituais de contato. Na esquina da Ricardo Jafet com a avenida do Estado, um menino de uns 11, 12 anos, antes do show, subiu na linha branca, olhou-me de frente, levantou a camiseta (só de camiseta num frio do caralho), virou-se de costas, voltou-se outra vez, baixou a camisa, fez um leve aceno com a cabeça e começou o espetáculo. Na Ipiranga com a Rio Branco, um morador de rua aproximando-se de um carro, de novo, mostrou ao motorista que não portava armas na cintura, e só então aproximou-se dos vidros sujos.

Andar pelas ruas é como travar contato com mundos os mais desconhecidos, etnias as mais diversas, costumes os mais estranhos, linguagens as mais absurdas, seres humanos os mais improváveis, relações humanas as mais desumanas. Fiquei perturbado sem saber como responder, ou não responder, se mostrar boa vontade, se me esconder, se expressar menos medo (expressei medo?), se corresponder à confiança, se duvidar das falsas amistosidades, se mostrar que não sou perigoso, dar a moeda, não dar a moeda, viver, morrer, viver, morrer...

Não é pra menos que a gente viva morrendo todo dia. Há muito tempo encena-se uma história da humanidade, com os mais horrendos crimes, hipocrisias e degradações, violentamente apagados pela alegria contagiante e final de quantos carnavais puder fazer a indústria. A gente demora a entender que não deve cantar a música.

22.8.09

Loucura

Um cara vai ao médico, preocupado. Sofre dores no estômago, o médico lhe diz que as causas, além de genéticas ou resultado de alimentação ruim, são agravadas por abalos emocionais, e o homem acredita mais nessa última explicação, tem ele percebido isso tudo, nesta parte do ano quando o movimento é mais intenso no trabalho, está mais estressado. Sabem as causas de sua aflição, ele e o médico, que lhe receita alguma droga. E combate-se o efeito, mesmo sabendo-se das causas.

Que é o homem, que é a sociedade, que é a existência, que é a matéria? Nenhuma pergunta sobre nenhum objeto poderá ser suficientemente respondida sem que se conheça suas origens, suas causas, sua gênese. Muitas das causas dos problemas que afligem um e outros são bem conhecidas, estudadas, comprovadas etc. etc. Mas não se combatem as causas. Só os efeitos.

Certa vez um professor questionou: "afinal, quem é realmente louco: nós ou os loucos?" Não entendi então. Mas agora vejo bem: a loucura é um dado meramente proporcional. Se num dado país a maior parte das pessoas forem loucas, os normais é que serão os loucos. Disso resulta que, num mundo inteiramente globalizado pela insanidade, aqueles que veem percebendo a essência das coisas só podem ser loucos.

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Update 1: Donde se conclui que a sabedoria popular tem de fato alguma sabedoria: "Não estude muito, menino, que isso deixa louco." Ouvi isso do meu avô tempos atrás. E eu só estava lendo a Bíblia.

Update 2: Mia Couto usou no seu Um outro pé da sereia uma epígrafe que há três anos atrás não só não entendi como recusei com nojo. Hoje, entendo tão bem que sinto dentro de mim:

Quem acha doce a terra natal ainda é um tenro principiante;
aquele para quem toda terra é natal já é forte;
mas é perfeito aquele para quem o mundo inteiro é um lugar estrangeiro.
A alma tenra fixou seu amor num único ponto do mundo;
a pessoa forte estendeu seu amor a todos os lugares;
o homem perfeito extinguiu o seu.
(Hugo de Saint Victor, monge saxão do séc. XI)

21.8.09

Burrice ortográfica

Quem um dia ler Eça de Queiroz (A cidade e as serras), quando chegar em:

"Este conceito de Jacinto impressionara os nossos camaradas de cenáculo, que tendo surgido para a vida intelectual, de 1866 a 1875, entre a batalha de Sadowa e a batalha de Sedan, e ouvindo constantemente, desde então, aos técnicos e aos filósofos, que fora a espingarda de agulha que vencera em Sadowa e fora o mestre-escola quem vencera em Sedan, estavam largamente preparados a acreditar que a felicidade dos indivíduos, como a das nações, se realiza pelo ilimitado desenvolvimento da mecânica e da erudição."

ou vai chegar ao final, compreendendo bem a desconfiança no positivismo, ou, mais burro, como eu, vai se demorar muito, perdendo tempo e vida, empacando (como sói ocorrer aos animais híbridos) naquele pedaço vermelho, em que flagrantemente Eça errou a sintaxe, devendo-se escrever "a quem" em lugar de "quem". Na verdade, o problema todo está na leitura dos dois "fora" que aparecem: sei lá por que(1), li cinco vezes como 'fóra', quando o certo é ler como 'fôra'. Culpa de quem? Minha, que sou burro e não sei das batalhas do XIX. Mas também das reformas ortográficas, primeiro da que tirou o circunflexo desta forma verbal; em segundo, desta última de agora, que também não pôs de volta. E agora Eça já não tem mais culpa, restando os xingamentos para a secreta ligação que une revisores, editores, copidesques, donos de editora e ministros da educação em geral. Aliás, essa reforma foi só mesmo pra realimentar o mercado editorial. O melhor da minha burrice não foi ter chegado ao entendimento só na sexta leitura, mas principalmente perder tempo fazendo um post, que não vai mudar nada. Também, só de burrice, daqui pra frente vou escrever sempre "fôra" erradamente, com acento e tudo, pra me conformar comigo mesmo.

1 - Na verdade, sei, e a razão se deve à combinação de duas circunstâncias: o pretérito mais-que-perfeito simples em geral não é falado, e só raramente escrito; no caso do verbo "ser", é muito mais usado o homônimo advérbio "fóra".

15.8.09

Fora, Sarney!

Taí uma coisa que eu não faço mais. As pessoas que vão pra Paulista, talvez pensem que fazendo isso estão consolidando os valores democráticos e dando um basta à corrupção, como se a corrupção estivesse encarnada em Sarney, como se não fosse estrutural. Por que será que a Folha, o Estadão, a Globo – tudo que é jornaleco não param de falar na corrupção no Senado? Não há corrupção na Câmara? Dizer que a mídia é golpista é demais, mas não dá pra negar que é poderosa e tendenciosa. Mesmo assim, a sociedade pauta suas lutas a partir daquilo que é notícia, sem ponderar que a imprensa recorta um fragmento do mundo, apenas um fragmento. Mas... e o que não é notícia? A concentração de renda, a exclusão e o engodo chamado democracia – baseado em voto, passeatas na Paulista e abaixo-assinados, que nunca resolvem nada – são problemas muito mais graves, mas como não são notícia (nem podem ser, porque fragmentadamente isso não é visível, e mesmo quando noticiada a coisa é vista pela conservadoríssima concepção epistemológica de que o mundo é estático e, além do mais, o modo mais apropriado de ver o movimento é a dialética, e quase ninguém mais lê Heráclito) ... mas como não são notícia, ninguém reclama mais disso. Virou a coisa mais normal do mundo.

Outro dia apareceu uma cidade do Sul aí que, por causa da gripe suína, mandou fechar tudo que era restaurante e boteco, só alguns casos especias puderam abrir. Mesmo os que abriram, reclamavam do fraco movimento: "As pessoas estão com medo de sair de casa, esse mês fecharemos no vermelho, prejuízo, prejuízo." Em nenhum momento alguém lamentou o desperdício de comida que isso representou (e que ocorre em todo restaurante até em situações normais), porque, quando a visão do tema é fragmentada, isso não tem muita importância, nem relação com a fome de outros lugares. Vou assistindo sempre que posso a tevê Senado, agora fazer alguma coisa, tô fora. Fazer o quê, se estamos todos cegos, sem saber o que fazer. E agora a culpa toda é do Sarney, ele é a maior afronta à democracia e à sociedade?

Engraçado ninguém ter dado bola pro caso da PROIBIÇÃO da "marcha da maconha", quer atentado maior à democracia? Proibiram uma marcha! Os maconheiros também são bem burros: é claro que o Estado não vai permitir tão fácil a legalização desse tipo de drogas. Cada lei que for extinta, é a negação de Foucault, uma razão a menos pra existir polícia e outras tantas mais pra não necessitarmos de OAB, Porto Seguro, Cadeados Papaiz e deus sabe que mais ramos industriais. De qualquer maneira, essa é a democracia. Ah, me poupe dessa farsa.

10.8.09

Sobre o PLC 122/2006

Algumas pessoas conseguem explicar as coisas mais complicadas com as palavras mais simples. Não sei como alguém que leia isto honestamente não possa se colocar ao lado do autor. Pra que a humanidade se liberte do seu maior algoz: ela mesma.

6.8.09

Acordei sem sono, eram duas da manhã. Tinha ido dormir cedo, mas nunca tenho muito tempo para dormir, e continuei de olhos fechados, insistente até quando não deu. Quando os abri, vi pelo vidro o balançar dos galhos mais altos de um árvore cuja espécie não sei, tem uns 70 metros de altura, e o vento faz barulho ao mover cada folha de sua copa. Devo morar perto de área de mananciais. E fiquei me perguntando por que não dormia, em vez de constatações inúteis e perigosamente bichogrilosas. Mas logo vi que o céu estava estranhamente claro, coisa rara na cidade, lembrava-me os céus da infância, claros, estrelados, alumiados da lua, tão perto agora. Era um céu escandalosamente decifrável, apesar das nuvens, via-se tudo pela janela. Havia a lâmpada de 500 watts fora do prédio, mas só ela não faria tanto. Distingui vida em cada caule de árvores, vi o branco da nuvem, o azul enegrecido do céu de espaço a espaço. Era um milagre. Abri a janela e percorri o olhar pelo espaço a procura do disco voador, mas não vi nenhum. Só ouvi os metais dos grilos, a sinfonia dos sapos, cães viralatas latiam de tempo em tempo. No mais, o silêncio. Grande. E quis pôr tudo abaixo. Se tivesse o poder de Pyongyang teria mandado tudo pelos ares, detonaria não só minhas ogivas nucleares, mas também as adversárias. Por um momento achei que o planeta viveria melhor sem os humanos.

Mas logo me interrompi. Que pensará o planeta sobre melhor e pior? Que é, de fato, a paz, a tranquilidade e o silêncio das duas da madrugada depois que o último ser humano dorme? Que é vida? Nada, quando tudo dorme. Nada tem importância, senão para nós mesmos acordados. A medida do tempo, a transparência dos cristais, os nomes da fauna e da flora, as medidas do espaço, a demarcação das áreas, as fases da vida, a memória, o homem na lua, a eletricidade, as cores, a aerodinâmica das naves espaciais, a constituição carbônica dos alienígenas, a diplomacia, a bomba atômica, o poder, a verdade. Tudo, absolutamente tudo, das estrelas aos micróbios – é algo que jamais saberemos. Porque toda vez que olhamos estrelas e micróbios não estamos vendo nada além de nós mesmos. O mundo tal qual é deixará de ser nos primeiros movimentos do cosmos, da physis, do universo – sem os homens.