21.8.09

Burrice ortográfica

Quem um dia ler Eça de Queiroz (A cidade e as serras), quando chegar em:

"Este conceito de Jacinto impressionara os nossos camaradas de cenáculo, que tendo surgido para a vida intelectual, de 1866 a 1875, entre a batalha de Sadowa e a batalha de Sedan, e ouvindo constantemente, desde então, aos técnicos e aos filósofos, que fora a espingarda de agulha que vencera em Sadowa e fora o mestre-escola quem vencera em Sedan, estavam largamente preparados a acreditar que a felicidade dos indivíduos, como a das nações, se realiza pelo ilimitado desenvolvimento da mecânica e da erudição."

ou vai chegar ao final, compreendendo bem a desconfiança no positivismo, ou, mais burro, como eu, vai se demorar muito, perdendo tempo e vida, empacando (como sói ocorrer aos animais híbridos) naquele pedaço vermelho, em que flagrantemente Eça errou a sintaxe, devendo-se escrever "a quem" em lugar de "quem". Na verdade, o problema todo está na leitura dos dois "fora" que aparecem: sei lá por que(1), li cinco vezes como 'fóra', quando o certo é ler como 'fôra'. Culpa de quem? Minha, que sou burro e não sei das batalhas do XIX. Mas também das reformas ortográficas, primeiro da que tirou o circunflexo desta forma verbal; em segundo, desta última de agora, que também não pôs de volta. E agora Eça já não tem mais culpa, restando os xingamentos para a secreta ligação que une revisores, editores, copidesques, donos de editora e ministros da educação em geral. Aliás, essa reforma foi só mesmo pra realimentar o mercado editorial. O melhor da minha burrice não foi ter chegado ao entendimento só na sexta leitura, mas principalmente perder tempo fazendo um post, que não vai mudar nada. Também, só de burrice, daqui pra frente vou escrever sempre "fôra" erradamente, com acento e tudo, pra me conformar comigo mesmo.

1 - Na verdade, sei, e a razão se deve à combinação de duas circunstâncias: o pretérito mais-que-perfeito simples em geral não é falado, e só raramente escrito; no caso do verbo "ser", é muito mais usado o homônimo advérbio "fóra".

1 comment:

CdoRock said...

Me ajuda a ler também? Nunca ouvi falar de Sadowa (mal sei de Canudos e Farroupilhas), embora soubesse que "fora" não tem acento há um tempo.

Mas... o mestre-escola venceu ou foi vencido em Sedan? Porque, se foi a espingarda de agulha que venceu em Sadowa, não o tal mestre "quem" venceu em Sedan? Botar um "a" aí não mudaria essa realidade? Ou será que o segredinho está em técnicos e filósofos, cuja regência é que eu ainda não entendi?