20.11.10

Robert Michels

A leitura de Robert Michels foi sem dúvida uma das coisas mais importantes deste ano que se acaba. Curiosa a atualidade de sua obra. A Sociologia dos partidos políticos, de 1911, parece contar, em grande medida, a história do PT, do ABC e dos últimos 30 anos de Brasil

MICHELS, Robert. Sociologia dos partidos políticos: ensaio sobre as tendências oligárquicas na democracia. Trad. Arthur Chandon. Brasília: Ed. UnB, 1982, 4ª parte. [1911]

 Na 2ª  parte ficou dito que: os chefes são estáveis; são remunerados; tem voz (imprensa/parlamento); não caem facilmente; se caem, novos chefes é que o derrubam; tendem a burocracia, a oligopólios. 

4ª parte
Cap. I – Luta de classes desagrega=> burguesia => gera filhos socialistas, que se voltam contra ela.
Cap. II – Os chefes socialistas de origem burguesa são solitários (entre o ódio da classe de origem e desconfiança da classe operária) 

Cap. III – As transformações sociais produzidas pela organização

O aburguesamento dos partidos operários (inclui também sindicatos) – quando novas camadas sociais entram na órbita do Partido – modifica o movimento político. Isto por três razões: 

1 – Pequenos burgueses (por razões eleitorais) são atraídos para o Partido. O Partido precisa, para chegar ao Parlamento, falar para o povo, não só para uma classe. Daí atrai indivíduos de vária origem.

Mas, observando os partidos socialistas, tanto o italiano quanto o alemão ou o francês, vê-se que a proporção de burgueses e pequeno-burgueses é pequena. Na realidade, o aburguesamento deve-se muito mais aos chefes socialistas de origem operária. Estes é que se transformam mais; passam por verdadeira metamorfose. 

2 – A organização cria novos pequeno-burgueses (uma aristocracia operária). Um partido, como o alemão, necessita, porque imenso, de muitos funcionários. Forma-se assim um grande grupo, que passou da experiência de produzir sua vida fazendo trabalho material para a produção de trabalho intelectual.

A elite operária terá vida dura, mas algumas vantagens: conforto, liberdade, dignidade – É preso? O partido ajuda. É perseguido? Mais ascende no partido. Por mais que deva trabalhar muito no Partido, não é mais o empregado subordinado a capatazes no interior de fábricas. 

Uma analogia Partido-Igreja-Exército: este papel do Partido – ser um trampolim social – é semelhante ao papel que já exerceram (e ainda exercem, em dada medida) a Igreja e o Exército. A partir da Contra-Reforma, filhos de camponeses podem se tornar parte do clero – o que antes não acontecia –, garantindo assim outros horizontes de vida. Os filhos da burguesia ascendente prussiana frequentemente entravam para o Exército, para, assim, na qualidade de oficiais, ganhar do imperador títulos de nobreza, posição, respeito – que no XIX só os fidalgos tinham.

No caso do Partido, é difícil que operários que passam por esta transformação social, com grandes implicações no modo como faz sua vida material, é difícil que resistam a mudar suas ideias. Os chefes socialistas de origem burguesa são mais confiáveis neste sentido, e se alteram menos ao entrar no Partido, pois não se deixarão seduzir fáceis por adulações, brindes, armadilhas políticas. Os chefes de origem proletária, porém, mudam. Somente operários “ideólogos” resistem à contaminação do meio. Mas... e a segunda geração: como se comportará?

Ao olhar estas questões parece que são mudanças superficiais (afinal, mesmo um partido grande, atinge uma parcela pequena da população, a seu serviço). De fato, são mudanças superficiais. Mas a superfície aqui tem mais importância que o costume. Estamos falando de self-made leaders. Homens que ocupam posições-chave e aí chegaram após duras lutas. O peso do que são têm reflexos mais profundos. 

3 – A defesa patronal cria pequeno-burgueses.
Para se defender, os operários fazem greves, enfrentam os capitalistas. Os capitalistas, para se defender, demitem empregados-chave. Vai-se formando assim um vasto contingente de proletários mutilados pela luta. Estes, por isso mesmo, logo viram pequeno-burgueses.

Tornam-se comerciantes, camelôs, micro-empresários. E, seus antigos camaradas de trabalho, por um dever de solidariedade, acabam comprando seus produtos. E assim os sustentam. Estes comerciantes vão ocupar um papel chave para o partido: é nestes porões insalubres de seus bares, que as direções locais se reúne, lêem jornais, discutem o movimento.

Na Alemanha, formaram-se associações de taberneiros socialistas (um partido dentro do Partido), que se tornou influente em várias questões. A Liga Berlinense dos Hospedeiros e Hoteleiros Socialistas lutou contra as “casas do povo”, projeto de bares populares, mais salubres, para a classe trabalhadora; foi contra a campanha anti-alcoólica que o Partido queria empreender em 1907, tentando educar seus membros.

Cap. IV – A necessidade de diferenciação na classe operária

Todo operário quer uma existência melhor. Isto causa: 

-Fracionamento da classe trabalhadora em categorias (funcionários de arsenais lutam por uma coisa, os da indústria têxtil por outra, etc.) e entre países (muitas vezes, um operário em um país central vive tão bem quanto um industrial de um país periférico – e, enquanto a Inglaterra avança seu domínio imperial pelo mundo, causando em dadas partes do globo superexploração da classe trabalhadora, os trabalhadores ingleses melhoravam sua condição muito acima da realidade do restante mundo proletário). Certos setores operários ganham mais poder que outros, como por exemplo, os tipógrafos na Alemanha, os lapidadores de diamante na Bélgica, os operários de arsenais militares na Inglaterra ou Itália. 

-Oposição entre categorias da classe trabalhadora: os organizados em Partido (e mais instruídos) exigem dos não-organizados (subempregados, informais etc.) solidadariedade nas greves, nas campanhas por aumento de salário. Mas muitas vezes os não-organizados já estão satisfeitos com as condições, dado terem uma história de sobrevivência em condições sempre piores. Esta solidariedade, exigida pelos organizados, não é, na contrapartida, devolvida aos não-organizados. Assim, os organizados na Alemanha lutam por bolsas de trabalho, seguro-desemprego etc. que beneficiam somente os membros do Partido; na Inglaterra, bloqueiam o ingresso de novos membros com a invenção de pesadas taxas e exigência de certificados de formação profissional; na Itália, formam panelinhas corporativas, como os operários do arsenal de Florença, que passam exigir que somente seus filhos e descendentes possam entrar no ramo.

10.11.10

Dúvida

Parece que só muito recentemente, coisa de duas décadas pra cá, é que veio se solidificando a ideia de que se deve (re)ler Marx. Na verdade, é mais ler que reler, afinal há, por incrível que pareça, textos ainda inéditos. Qualquer leitura sempre vale. Não só para alimentar "ilusões, essa estranha enfermidade psíquica indispensável a uma vida normal", como ontologicamente define José. Mas também para compreender o que somos, e por que até aqui os homens não puderam ir ainda para além do espaço histórico que se convencionou chamar capitalismo. Só responder à primeira pergunta já bastaria para uma existência. Mas, se nem os seres humanos nem as perguntas vivem isolados, as respostas que perseguimos também se conversam.

Pode ser  revelador para nós – agora distantes de tudo – considerar o valor e o peso de uma circunstância especialíssima em torno de um téorico da altura de Lênin, líder da maior das revoluções do séc. XX. Ora, ele não pôde ler as obras da juventude de Marx, só publicadas após 1930. A ideologia alemã, os Manuscritos econômico-filosóficos, talvez nem mesmo os Grundrisse, e com certeza também não os artigos da Nova gazeta renana. É nessa fase inicial de Marx, esquecida pelos seus continuadores, que se avista uma ontologia do ser social; e é nisso que aposta Georg Lukács (1885-1971). Seu recém-lançado no Brasil Prolegômenos... vem reparar um eixo fundamental do pensamento socialista: como se pode querer fazer outra sociedade, outros homens, sem conhecer o que eles efetivamente são? E outras anomalias intelectuais, como achar que a vida resume-se a política econômica, burguesia, proletariado e o reino do capital.

Se foi miserável a realização e a utopia de uma humanidade nova no Leste Europeu, não há dúvida da estreiteza raquítica da humanidade globalizada pelo capital, fixada na ideia de homo sapiens sapiens que hoje se defende e se ensina: irracionalista, nega aquilo que lhe faz singular na natureza; individualista, imagina-se produto e fábrica só de si, em si e para si; divina mercadoria que circula – compra, aluga, aliena sua vida e, sem perceber, vai vendendo suas horas sem vivê-las; cidadão do mundo sem aldeia, pós-moderno sem passado nem futuro, consumidor do presente – realiza-se no mercado digital e mede-se a dinheiro. Nem nas atuais democracias liberais, e nem mesmo em nenhum país comunista do século XX, se fugiu a esta moldura histórica de existência, pensamento e ação. Deveria outra vez intitular-se Homo faber.

Rosa Luxemburgo bem que tentou avisar dos erros que cometia a Rússia bolchevique, restringindo liberdades, amputando sovietes, saciando a fome de terra dos camponeses. A questão é: se Lênin não tivesse sido tão preconceituoso quanto ao conceito de ontologia – entendido como o estudo daquilo que é –, o século XX teria sido o que foi?

9.11.10

Dos jornais

Hoje, na Folha, Frederico Vasconcelos, jornalisticou que "Bancos estatais patrocinam evento de juízes em resort". Em suma:

Encontro na Bahia terá palestras, oficinas de golfe e arco e flecha, jantar e show

Cada magistrado desembolsará apenas R$ 750. Terá todas as despesas pagas, exceto passagens aéreas, e poderá ocupar, de quarta-feira a sábado, apartamentos de luxo e bangalôs cujas diárias variam de R$ 900 a R$ 4.000.

 A diferença deverá ser coberta por Caixa Econômica Federal (com patrocínio de R$ 280 mil), Banco do Brasil (R$ 100 mil), Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e Lubrificantes (R$ 60 mil), Souza Cruz, Eletrobras e Etco (Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial).

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1. O Sindicato dos combustíveis justificou que "busca aproximação com juízes para dar esclarecimentos a respeito de ações de empresas que contestam na Justiça normas da ANP [Agência Nacional do Petróleo] e desequilibram o mercado."

Hã. Uma dose admirável de cinismo, leve e moderado.

2. O Etco, por sua vez, "entende como importante apoiar iniciativas que visem a melhoria dos serviços judiciários no país".

Ah, então tá bom.

3. A Souza Cruz: o patrocínio, "feito em plena conformidade com a lei, tem o objetivo de contribuir com o debate do pensamento jurídico nacional".

Hahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahhahahahahahahahahahhahahahahahahahahahhahahahahahahahahahhahahahahahahahahahhahahahahahahahahahhahahahahahahahahahhahahahahahahahahahhahahahahahahahahahhahahahahahahahahahhahahahahahahahahahhahahahahahahahahahhahahahahahahahahahhahahahahahahahahahhahahahahahahahahahhahahahahahahahahahhahahahahahahahahahhahahahahahahahahahhahahahahahahahahahhahahahahahahahahahhahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahah!

Só rindo. Esses caras são engraçados.