30.12.09

A história das coisas


O The Story of Stuff Project é um plano de ação baseado em alguns videozinhos produzidos por Annie Leonard, uma ativista norte-americana crítica do consumismo. A primeira animação, The Story of Stuff, é de 2007 e, de lá pra cá, vem causando polêmica nos eua, com críticas favoráveis e contrárias nos jornais. Um agravante do vídeo é o fato de ele ser, digamos... didático demais. A wikipédia diz, por exemplo, que um distrito escolar do estado de Montana decidiu banir o vídeo das salas de aula, por considerá-lo enganoso, preconceituoso e politicamente partidário. Engraçado, não?

O site ganhou uma versão brasileira, de onde se pode baixar o vídeo dublado e outras coisas. Na verdade, como tudo o que existe ou existiu, também está disponível você-sabe-onde. É muito bom.

28.12.09

Pequena história da classe média brasileira

Incrível como em poucas linhas Milton Santos pôde escrever a história da classe média brasileira e seu descontentamento. Conhecendo sua história, fica muito tranquilo entender por que a classe média tem hoje esse pensamento, essa atuação e essa raiva de política, de sociedade, de movimentos sociais.

[...] no Brasil do milagre, e até durante boa parte da década de 1980, a classe média se expande e se desenvolve sem que houvesse verdadeira competição dentro dela quanto ao uso dos recursos que o mercado ou o Estado lhe ofereciam para a melhoria do seu poder aquisitivo e do seu bem-estar material. Todos iam subindo juntos, embora para andares diferentes. [...] A competição foi, na realidade, com os pobres, à medida que estes se multiplicam. Vale lembrar as facilidades para a aquisição da casa própria, mediante programas governamentais com que foram privilegiados, enquanto os brasileiros mais pobres apenas foram incompletamente atendidos nos últimos anos do regime autoritário. A classe média é a grande beneficiária do crescimento econômico, do modelo político e dos projetos urbanísticos adotados. [...] Tratava-se, na realidade, de uma moeda de troca, já que a classe média constituía uma base de apoio às ações do governo.

Forma-se, dessa maneira, uma classe média sequiosa de bens materiais, a começar pela propriedade, e mais apegada ao consumo que à cidadania, sócia despreocupada do crescimento e do poder, com os quais se confundia. Daí a tolerância, senão a cumplicidade, com o regime autoritário. O modelo econômico importava mais que o modelo cívico. Eram essas, aliás, condições objetivas necessárias a um crescimento econômico sem democracia. Quando o regime militar esgota o seu ciclo, a democracia se instala incompletamente na década de 1980, guardando todos esses vícios de origem e sustentando um regime representativo falsificado pela ausência de partidos políticos consequentes. Seguindo essa lógica, as próprias esquerdas são levadas a dar mais espaço às preocupações eleitorais e menos à pedagogia propriamente política. A gênese e as formas de expansão das classes médias brasileiras têm relação direta com a maneira como hoje se desempenham os partidos.

[...] Tal situação tende a mudar, quando a classe média começa a conhecer a experiência da escassez, o que poderá levá-la a uma reinterpretação da sua situação. Nos anos recentes, primeiro de forma lenta ou esporádica e já agora de modo mais sistemático e continuado, a classe média conhece dificuldades que lhe apontam para uma situação existencial bem diferente daquela que conhecera há poucos anos. Tais dificuldades chegam em um tropel: a educação dos filhos, o cuidado com a saúde, a aquisição ou o aluguel da moradia, a possibilidade de pagar pelo lazer, a falta de garantia no emprego, a deterioração dos salários, a poupaça negativa e o crescente endividamento estão levando ao desconforto quanto ao presente e à insegurança quanto ao futuro, tanto o futuro remoto quanto o imediato. Tais incertezas são agravadas pelas novas perspectivas da previdência social e do regime de aposentadorias, da prometida reforma dos seguros privados e da legislação do trabalho. A tudo isso se acrescentam, dentro do próprio lar, a apreensão dos filhos em relação ao futuro profissional e as manifestações cotidianas desse desassossego.

[...] Acostumadas a atribuir aos políticos a solução dos seus problemas, proclamam, agora, seu descontentamento, distanciando-se deles. Elas já não se veem espelhadas nos partidos e por isso se instalam num desencanto mais abrangente quanto à política propriamente dita. Isso é justificado, em parte, pela visão de consumidor desabusado que alimentou durante décadas, agravada com a fragmentação pela mídia, sobretudo televisiva, da informação e da interpretação do processo social. A certeza de não mais influir politicamente é fortalecida nas classes médias, levando-as, não raro, a reagir negativamente, isto é, a desejar menos política e menos participação, quando a reação correta poderia e deveria ser exatamente a oposta.

(Milton Santos, "A metamorfose das classes médias", In: Por uma outra globalização, pp. 135-8)

20.12.09

Verdade

De repente, começo a desconfiar que tem alguma coisa acontecendo, tão nova, que os velhos atores não são capazes de vê-la, nem mesmo de manipulá-la – os instrumentos ultimamente fabricados passam longe de tudo aquilo que estavam acostumados a manejar. Perderam o controle. E poucos percebem o rumo novo que a história tem tomado, se é que alguém já viu exatamente o que é isso que estamos indo a ser. Eu me sinto perdido.

E, de repente, começo a perceber que estive o tempo todo a ignorar, bem sob o meu nariz, o grande poeta que este homem é. Sim, porque até sentisse sua poesia, nunca o poderia considerar um grande poeta; sempre foi, pra mim, um bom fazedor de versos, cuja beleza que os outros viam eu simplesmente não podia entender. Mas ultimamente, parece, tem falado bem junto ao meu pé do ouvido:


VERDADE
Carlos Drummond de Andrade

A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.



Muito foda, não?

E, meio fora de propósito, The Corporation é um grande filme. Incidentalmente, discute sobre o que é a verdade; mas é um incidental martelativo, saca? Baixe por aí.

10.12.09

Physis

Temos sido treinados, educados e acostumados a não enxergar três coisas: a unidade, o movimento e a consciência.

Em vez disso, pensamos que existe apenas diversidade, inércia e pensamento.

Em primeiro lugar, graças a Darwin, hoje podemos afirmar que o ser humano não é tão especial quanto se pensava; é tão animal quanto qualquer outro. A noção de unidade, enquanto a humanidade evoluía, foi sendo lentamente apagada à medida que foi se desenvolvendo a organização do trabalho, a vida social e o pensamento. Este desenvolvimento seguiu numerosas direções. Tanto o pensamento, quanto a sociedade, quanto o trabalho se ramificaram em uma gama assombrosa de variedades, fragmentando-se absurdamente o modo como o homem refletia o mundo em suas estruturas cerebrais, a maneira como as sociedades se organizavam e as formas desiguais e complementares que o trabalho assumia. Quanto mais transformava a natureza pelo trabalho, mais o homem assenhorou-se dela; quanto mais diferenças entre uma e outra cultura, mais um grupo humano estranhou-se a outro; quanto mais diferenças de pensamento entre as pessoas, mais separou-se o indivíduo de seu semelhante. Mas, ao mostrar o longo movimento evolutivo da vida, o naturalista contribuiu para reanimar a ideia de unidade, perdida ainda nos primórdios das sociedades. E reestabeleceu um pedaço da verdade: a única coisa que existe é a unidade. Porém, toda unidade é feita de diversidade, daí que venha a falsa impressão de que todas as coisas do mundo diferem entre si, quando na verdade são uma só e mesma coisa. É natural que não se perceba esta unidade. Ela é uma unidade grande demais. Unidades menores são facilmente percebidas. Por exemplo, ninguém discute que o corpo humano seja uma unidade; porém, esta unidade é formada de uma pequena quantidade de células verdadeiramente humanas, as eucariontes (10 trilhões), em comparação com a imensa e esmagadora maioria de células procariontes, que formam os micro-organismos (90 trilhões). Estes pequenos seres vivos vivem em simbiose com o grande ser humano. Em suma, um ser humano é formado quase que totalmente por outros seres, não humanos, mas nem por isso deixamos de reconhecer a unidade de um ser humano, apesar da diversidade que o compõe. Este foi um passo; há outro a ser dado, de igual tamanho e importância.

Para que pudesse o homem imaginar – ou abstrair – que estava separado da natureza, ele apoiou-se em outra falsa concepção: o imobilismo. Evidentemente, por tudo quanto já se descobriu no campo da física, os mesmos átomos que formam coisas mortas – como a terra, a água, o ar, este teclado ou este monitor – formam também a estrutura corporal de qualquer ser vivo, bactéria, planta, animal ou homem. Mesmo com todo o conhecimento produzido nos últimos séculos, só se poderá observar, porém, esta unidade entre seres vivos e seres mortos, se se considerar o intercâmbio complementar que se dá entre ambos. Mas a unidade entre vivos e mortos só aparece com a cinematografia do tempo; não com a fotografia do espaço. É o tempo que vai mostrar a morte; e, com ela, as substâncias que compõem uma célula animal desmembrarem-se em pedaços menores de matéria morta (proteínas, enzimas, aminoácidos, carbono, hidrogênio etc.), originando um caos de partículas, que poderão outra vez se reordenar no cosmos de outras células, de um animal, de um vegetal, de uma bactéria, do que seja. Ao observar-se o movimento, observa-se a unidade. Quem primeiro viu isso costumamos dizer que foi Heráclito – ao perceber o traço unificador de tudo: a mudança –, mas outras culturas forjaram máximas semelhantes; também o budismo afirma que tudo muda, exceto a própria mudança. Não vejo agora como estender isso à sociedade e aos indivíduos, mas deve haver um jeito simples.

Em terceiro lugar, o pensamento; o significado desta palavra é maroto. Ele parece excluir o sentimento, a dor ou a vontade. E, na verdade, separa mesmo. Quando imaginamos que o cérebro faz apenas pensar, esquecemos que ele também recebe sensações provenientes dos cinco sentidos, processando mais outras coisas inexplicáveis relacionadas à área afetiva. Ora, talvez nossa maior dificuldade em perceber a unidade formada pelo eu e tudo o que me cerca é que sempre usamos a ciência. E a ciência não poderá nunca percebê-la. Porque a ciência é só pensamento. Também precisamos da arte para sentir o mundo; porque a arte é mais completa que a ciência: conjuga razão e emoção. Não somos só pensamento. Somos pensamento e sensação. Daí que o pensamento é fraco para perceber a unidade. Somente a consciência é que permite vivenciá-la. A consciência, tal como a arte, não prescinde de razão; utiliza-a. Mas, diferentemente da razão, que dispensa os sentimentos, a consciência é a soma de tudo o que um ser humano pode ser: razão, emoção, sensibilidade, afetividade, compaixão. Algum acionista cuja corporação causa danos ao meio ambiente ou a pessoas no leste asiático pode saber o que faz; mas não tem consciência. E a arte a que ele foi acostumado a fruir com certeza não é arte, porque não deve lhe mostrar a unidade básica de tudo, a cadeia de causa e consequência que ele movimenta, o próprio movimento econômico de que faz parte.

Então, se a única coisa que permance é a mudança, e isso é mesmo verdade, é também verdadeiro dizer que a única coisa que existe é a unidade. Porque, se mudança é movimento (e só isto permanece, nada mais), devemos lembrar também que "movimento" é uma abstração; ou seja, essa coisa que permanece é uma separação de alguma outra coisa, que não permanece, mas é coisa que existe. O movimento não existe por si só; o movimento é sempre movimento de alguma coisa. E essa coisa que se movimenta é uma unidade multiversa que pode ser chamada de natureza, de universo, de physis, do que for. É uma unidade em movimento, que, em determinado momento, afastou de si uma pequeníssima parte, dotada de certas faculdades, e assim a natureza pôde, enfim, observar-se a si própria; está claro que a physis não quis se dividir em duas partes, uma que vê e uma que é vista. Porque esta parte física, que pensa e vê, tão logo nasce, e enxerga a physis de que faz parte, tão logo morre, e volta a ser physis. Perde o pensamento e a visão; mas, também, o pensamento e a visão, parece, mais confundem do que mostram o que somos. Há talvez menos vantagem em ser homem que em ser physis. Que não vê, nem pensa; simplesmente é.

7.12.09

A necessidade da arte

Ernst Fischer escreveu um livro fabuloso: A necessidade da arte. Sua tese é que a arte tem um papel semelhante ao da ciência: desvendar o mundo. Este desvendamento da realidade é que permite ao ser humano trabalhar sobre ela. Em resumo, nos dois primeiros capítulos, diz que:

A arte, a magia, a ciência e a religião estavam em sua origem intimamente vinculadas. E assim vão permanecer, enquanto ainda estão integradas ao processo de trabalho e enquanto ainda não se percebem nitidamente as relações de causa e conseqüência. A antiguidade do trabalho iguala-se à antiguidade do homem, de modo que os instrumentos de trabalho foram fazendo o homem à medida que o homem produzia instrumentos de trabalho. Pelo trabalho, o homem transforma a natureza, adaptando-a a seus desejos e necessidades.

Como muitas outras espécies animais, aquela que viria a ser homem utilizava ferramentas. As ferramentas, porém, ocupavam um lugar diferente das que hoje utilizamos. Para cada ferramenta que possuímos, temos associada a ela uma função. Mas nem sempre foi assim. Somente após uma madura compreensão das relações de causa e conseqüência é que isso vai se tornar possível. A atividade cerebral primitiva permitia relacionar sensações, como a fome, à imagem de coisas que poderiam solucioná-las, como uma fruta. A utilização de um instrumento qualquer, como um pedaço de madeira, ajuda na obtenção do alimento, que está muito longe do chão, no alto da árvore espinhosa. O processo poderia ser esquematizado numa seqüência: sentir fome – ver a fruta – usar um instrumento. Vê-se que o instrumento aparece por último. A repetição deste processo, porém, deve ter levado a uma inversão, quando, ao ter o instrumento, houve a percepção de que ele tinha uma função: servia para colher uma fruta. Agora, o instrumento não aparecerá mais por último; é o início de um processo que tem agora um propósito; e a fruta e a fome poderão vir agora por último. A partir desta inversão, começa uma atividade consciente de transformação da natureza, denominada trabalho. As atividades terão um propósito pré-definido, associado a um instrumento com uma função específica.

Este instrumento de trabalho pode agora ser melhor escolhido ou até corrigido, a fim de se tornar mais eficiente. Outros materiais podem ser adaptados à condição de instrumentos, seguindo um modelo encontrado na natureza. Não é necessário esperar que eles apareçam: pode-se fabricá-los, imitando modelos já conhecidos. Um galho de árvore pode ser desbastado, a fim de se tornar semelhante a uma vara. Este processo chama-se imitação.

O homem passou assim a observar que certas características dos instrumentos, como uma vara maior ou menor, uma pedra mais ou menos afiada, podiam produzir resultados mais ou menos adequados a seus propósitos. Descobriu com isso as relações de causa e conseqüência e, por saber disso, passou a dominar conscientemente a natureza. Esta sua capacidade mágica de produzir instrumentos lhe dava poder sobre a realidade. Outra capacidade foi sendo ampliada também: a linguagem. O processo mágico de dar nome às coisas deu ao homem domínio sobre elas. Pela linguagem, podia comandar melhor suas ações, marcar lugares, árvores, rios, coisas. A ampliação da linguagem e o aperfeiçoamento dos instrumentos de trabalho permitiu um controle maior da natureza. E, em certo sentido, sua vontade, mediada pelos instrumentos que produzia, transformava o mundo, pelo trabalho.

A descoberta destas relações de causa e efeito, por muito incipientes que fossem, levaram, contudo, a conclusões erradas. O homem deste estágio imaginou que a natureza também podia ser transformada com o uso de outros instrumentos, mágicos; viu em sua vontade uma força extraordinária. Estendeu sua capacidade mágica ao limite. Buscou facilitar sua vida, usando a pintura, a dança, o canto, a fim de conseguir certos propósitos e, fazendo isso, criou a arte. Sua pintura nas cavernas, representando animais mortos, não pretendia, portanto, a mera representação; não tinha efeito estético; não se relacionava com a beleza; buscava apenas produzir um animal morto, com o qual poderia saciar sua fome. Mais uma vez, imitando a natureza, recriando-a, buscava atingir seus propósitos, explorando relações de causa e conseqüência que ainda não entendia bem. Assim, a magia e a arte permanecem vinculadas entre si e ao processo de trabalho, à medida que o homem acredita serem meios efetivos de dominação da natureza.

Isto é, com poucos acréscimos, o que ele diz. Esta linha de pensamento sobre a arte, porém, penso eu, vai trazer alguns esclarecimentos também para a ciência. Ora, o autor adverte que não seria nada inteligente que nós ríssemos das pretensões destes homens, pré-históricos, que usavam instrumentos inadequados, como figuras em paredes, para com elas conseguir alimento – e é isto que me interessou bastante. A pintura rupestre tanto podia ser uma tentativa de produção de um animal para consumo, como também uma espécie de ritual mágico que permitiria, pela figuração, facilitar a morte do animal quando estivesse o homem efetivamente a caçá-lo – na antropologia, não se sabe qual das duas possibilidades é mais verdadeira. O fato é que estes homens só estavam começando a conhecer o mundo. Para rirmos deles, teríamos que acreditar em duas coisas: primeiro, que já conhecemos completamente a realidade; segundo, que já não usamos instrumentos inadequados para adequar a realidade a nossos desejos. Tanto uma quanto outra crença seriam completamente falsas. Quantas vezes, hoje em dia, não vemos pessoas a pedir que Deus ajude nisso ou naquilo, como, por exemplo, arranjar um emprego? Todo aquele que faz isso não compreende bem como funciona o sistema de trabalho atual; e são muitos os que assim são. Se conhecesse, compreenderia que a atividade humana é, como todo fenômeno natural, regido por leis naturais; e que a oferta de emprego digno para todos depende menos de Deus que dos homens.

Uma contradição que Ernst Fischer aborda, porém, é a seguinte: os instrumentos, mesmo inadequados, acabam tendo um efeito prático, ainda que indireto. O homem que pintava adquiria mais poder sobre o animal que ia matar; a tribo que dançava conseguia acumular mais poder sobre a tribo inimigo com a qual ia lutar; o guerreiro ao entoar seu canto realmente assustava o inimigo. Conseguia efetivar melhor suas ações, porque acreditava que estava sendo ajudado. Até hoje isto continua. Os homens, porque não acreditam em si mesmos, precisam acreditar o tempo todo em outra coisa que eles não são para, só então, executarem as coisas que tão-somente a eles compete fazer.

Isto revela a ampla medida do nosso primitivismo. Há, porém, um elemento que piora tudo. A ciência durante muito tempo esteve a cumprir o papel de desvendar a realidade, bem como a arte. Hoje, de um modo geral, não fazem mais isso. Todo investimento em pesquisa é feito não com a intenção de produzir conhecimento, mas, sobretudo, com a intenção de produzir conhecimento que ofereça possibilidades lucrativas. Toda política estatal é diretamente influenciada pelas políticas das grandes corporações. Com isso, toda vez que algum ramo científico sai da linha e confronta o stablishment, e em vez de oferecer lucro questiona mesmo a existência do lucro, é automaticamente descartado, quando não perseguido. Não é à toa que muitas das relações de causa e consequência hoje precisam ser apagadas, ou intocadas. Hoje, de um modo geral, é baixíssima a produção de ciência. Isto explica também a baixíssima qualidade da arte pós-moderna. Em termos quantitativos, a imensa maioria daquilo que hoje se chama arte é, em essência, medíocre.

1.12.09

César Benjamim

Sobre o "Filhos do Brasil", do César Benjamim, de 27/11/09, a Folha quis continuar investigando até que chegou, na edição de hoje, ao suposto "menino da MEP" – João Batista dos Santos –, possivelmente molestado por Lula na prisão. O interessante foi uma fala de um outro companheiro de cela que diz:

O que deve ter acontecido é que Benjamin não sabe ou não entendeu que são comuns, entre os operários, brincadeiras assim, que podem soar de mau gosto. Não acredito que tenha inventado a conversa, mas o assédio, isso nunca aconteceu" disse José Maria de Almeida.

É a explicação mais racional, mas duvido que o Benjamim seja assim tão inocente. De qualquer maneira – memórias da ditadura, ardis políticos e mídia golpista a parte –, o texto não tem pé nem cabeça. É cada uma que aparece.