20.12.09

Verdade

De repente, começo a desconfiar que tem alguma coisa acontecendo, tão nova, que os velhos atores não são capazes de vê-la, nem mesmo de manipulá-la – os instrumentos ultimamente fabricados passam longe de tudo aquilo que estavam acostumados a manejar. Perderam o controle. E poucos percebem o rumo novo que a história tem tomado, se é que alguém já viu exatamente o que é isso que estamos indo a ser. Eu me sinto perdido.

E, de repente, começo a perceber que estive o tempo todo a ignorar, bem sob o meu nariz, o grande poeta que este homem é. Sim, porque até sentisse sua poesia, nunca o poderia considerar um grande poeta; sempre foi, pra mim, um bom fazedor de versos, cuja beleza que os outros viam eu simplesmente não podia entender. Mas ultimamente, parece, tem falado bem junto ao meu pé do ouvido:


VERDADE
Carlos Drummond de Andrade

A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.



Muito foda, não?

E, meio fora de propósito, The Corporation é um grande filme. Incidentalmente, discute sobre o que é a verdade; mas é um incidental martelativo, saca? Baixe por aí.

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