16.4.09

Igreja

Eu não tinha dado muita bola pras críticas do Joseph Ratzinger ao Nietzsche, mas de tanto falarem acabei indo lá ler a notícia no Estadão, de 10 passado. E até por ser Nietzsche um filósofo que cria instabilidades para os valores, perigoso, portanto, para a religião, continuava não vendo ali nada de anormal ou inesperado por parte da Santa Madre Igreja. Até que duas pessoas especialmente, e reproduzo a seguir ideias delas, me alertaram para o fato de que o discurso do Bento é uma puta de uma gafe, e por dois motivos: a) criticar Nietzsche objetiva, na verdade, exortar os fiéis a não o lerem, o que, no fim das contas, é um tiro pela culatra – proibir é estimular; b) esta proibição é anacrônica, medieval e, epa!, lembramos que Bento XVI antes de ser papa era prefeito da Congregação para Doutrina da Fé, um nome moderno para a Santa Inquisição.

E aqui no Brasil sabe-se que a expulsão de Leonardo Boff da Igreja tem um agente: o atual papa. Sua Igreja continua a mesma Igreja. E sobrevivem em nosso XXI os mesmos preconceitos, fantasmas, obscurantismos, misticismos e autoritarismos contra os quais se rebelaram os iluministas no XVIII. Deveríamos reviver Voltaire para vê-lo de novo dizer, Não concordo com nada... Ou não. Talvez nem precise. Porque essa coisa toda, de ouvir o outro lado, já criou raízes tão profundas em nosso modo de pensar, que mesmo entre os crentes há com certeza uma parcela que desobedecerá o interdito.

15.4.09

Estado

Se o Estado é tão somente uma máquina destinada a amortecer conflitos, a manter a ordem, a mediar interesses antagônicos, a minimizar os efeitos da desigualdade social, a possibilitar a dominação de um grupo de pessoas por outro grupo de pessoas, não é surpresa nenhuma que Protógenes Queiroz seja afastado de suas funções. A polícia federal, como parte de uma força especial armada com os impostos saqueados pelo Estado junto aos súditos, não foi criada para reprimir o grupo dominante. Esta anomalia está completamente fora de suas atribuições e, embora não pareça, isto é sério. A valer este raciocínio, Fausto Martin de Sanctis e Rodrigo de Grandis são os próximos.

11.4.09

Adriano

José Geraldo Couto mandou bem. Não é todo dia que caderno de esportes faz a gente pensar. Sobre o Adriano, imperador e tudo, ter decidido parar de jogar futebol e ganhar milhões de euros, chocando-nos a todos com tão grande e dupla perda (se bem que, pra mim, a perda maior é dos milhões mesmo; o Adriano é que nem aquele Luizão que vestiu a camisa dos quatro grandes de Sampa: faz gol, e ponto.), ele escreveu hoje na Fôia que:

Pululam as explicações fáceis, as respostas automáticas: é dor de corno, depressão, muita droga, birita, falta de estrutura, burrice pura e simples. Seja qual for a explicação mais convincente, Adriano criou um fato.

Tomou uma atitude inesperada num mundo de reações tão programadas e previsíveis. Foi na contramão da corrente hegemônica, desafinou o coro dos contentes. Seu gesto inquieta e perturba porque, na sua aparente irracionalidade, nos faz questionar a lógica absurda que comanda nossas vidas.

O leitor que acompanha ou suporta esta coluna sabe o quanto valorizo o lance que destoa: a furada, o frango, o erro. Deslizes que iluminam, que sobressaltam, que acordam. João Cabral de Melo Neto dizia que, em sua poesia, evitava "embalar" o leitor numa música que o fizesse deslizar como quem roda por uma estrada bem asfaltada. Preferia construir um caminho de pedras que, com seus solavancos, levasse o leitor a despertar.

Mal comparando, uma atitude como a de Adriano equivale a uma canelada, um tropeção, uma pedra com que se topa no meio do caminho. Quem quiser que se defenda do susto respondendo com as frases feitas citadas lá em cima. E quem tiver coragem que encare o Adriano que traz dentro de si.

3.4.09

O dilema das casas blindadas no Rio de Janeiro

"Es el eterno dilema: adaptarse ante la realidad de la violencia cotidiana, blindando a las favelas con muros y construcciones búnker o luchar sin cuartel para expulsar de ellas a los narcos que han creado en ese mundo marginal su imperio, sus leyes y su poder."

Juan Arias deve estar brincando. Achando que o dilema se reduz a isso, ou não conhece o Brasil ou não conhece o mundo.