15.9.09

Morte

Estes tempos de pandemia, gripe etc. tornaram a gente um pouco mais neuróticos. É todo mundo lavando a mãozinha, passando álcool, lendo precauções – que morrer ninguém quer. Ficam duas semanas sem aparecer nas escolas, preservando a vida, e mal as coisas se equilibram, vai todo mundo gastar essa mesma vida em inúmeros sábados de trabalho repositivo e sei lá quantas mais horas ordinárias na linha de produção, cujo limite único são as vinte e quatro horas do dia.

Hoje, senti-me meio mal, nariz escorrendo, enjoo-quase-vômito, febrinha... é a tal gripe, pensei. Vou para casa. E abandonei uma aula de política pela metade, precisava descansar, o corpo doía. Daí, fico até agora pensando no ridículo que é pensar em morrer. Mas gosto da brincadeira, e como também sinto medo, vou brincando a sério, já me convenço de que não passo de amanhã, morte vindo a cavalo, e já que é assim, passo uma última vez pelo supermercado, faço bem em me preparar; se o consumismo é um mal, também sei que pecado não é, e nem compro muita coisa, só o bastante para um moribundo de hábitos simples. É, por exemplo, pegar somente um suco preferido, que é de manga, uma fruta boa com gosto de coisa antiga, que é maçã, e afinal uma bolacha, uns pães, uma escova de dentes. Este último item é que não se explica muito bem, afinal, a escova que tinha em casa estava lá com algumas cerdas meio espandongadas, é verdade, mas se estava só meio ruim, também estava obrigatoriamente meio boa – aguentaria ainda alguns dias, sem contar que morimbundos não costumam enxergar muito longe, nem chegam a pensar em dias, pensam quando muito em minutos, sendo na maior parte das vezes um "ajeite aqui este travesseiro, que me incomoda", "dê-me ali aquele remédio, que me dói", "não me venham com jazigo feio".

E fico assim perdido com a escova na mão, frente à gôndola, que fornece escovas de todos os tipos e bolsos, para tornar os dentes mais brancos e lisos, e talvez ignore que a terra de onde vêm seus componentes não faz questão de dentes fortes ou cariados, devora-os a todos com a mesma voracidade, sem distinção de cor ou tecnologia. Resolvo pela mais barata, não há cerda que não limpe nem se estrague. Saio, chego na casa vazia, sinto-me só, e desgraçadamente feliz. Talvez devesse pensar mais em morte, sem precisão de noticiários.

1 comment:

Leco Vilela said...

hoje com a crise "momentanea" do metro somado com a minha falta de paciência, voltei pra casa. A internet capengando me fez querer assistir uns seriados que estavam amontuados nos clousters do meu pc... acabei por me divertindo ouvindo Bajongo e Gotan Project no último volume enquanto fotografava as bolsas que vendo pra fazer um vintém... ai ai... só me faltava um vinho, um merlot ou talvez o amargo cabernet mesmo... e a chuva caia com a janela do meu quarto aberta!