10.12.10

O mistério e a banalidade

A tecnologia aparece como um mistério e uma banalidade – diz Milton Santos no que foi seu último livro. Reflexo da decadência do homem pós-moderno, subordinado à dinâmica alienante do just in time, surge na era da informação uma contradição do conhecimento. À repugnância pela filosofia, especialmente a filosofia racionalista – aversão dominante nos meios acadêmicos e midiáticos com toda a sua cientificidade –, corresponde um certo tipo de irracionalismo, presente na vida do cidadão comum. Como pode algo ser, simultaneamente, misterioso e banal? Um mistério é o que fascina, e encanta, e seduz (no sentido próprio de conduzir para si), despertando o desejo de conhecer e decodificar e atribuir sentido. Mas não.

As maravilhas que a indústria dia a dia põe a caminho do mercado inundam a vida de jovens que pouco sabem da vida. De celulares a notebooks, de câmeras digitais a videogames via internet, um amontoado de chips e baterias é manipulado e descartado todos os dias, por um lado como a mais vulgar das operações vitais. Por outro lado, como funcionam essas coisas por dentro, de onde vêm, quem as produz, como se fabricam, qual seu significado, em que interferem noutros campos de saber, de quais esferas (inorgânica, biológica, social?) sofrem determinações – são segredos para os quais não há mais investigação. À razão que indaga sucede uma razão que manipula. Talvez por isso em muitas universidades o baricentro vital seja o diploma, não o saber.

Diversos autores têm destacado esta viragem qualitativa da espécie humana, do racionalismo para a razão manipulatória. O ápice do pensamento humano, cuja floração mais evidente é o iluminismo, que frutifica generosamente ainda pelo século XIX, tem hoje seus desdobramentos caracterizados (por livre-docentes escravos das ideologias) como seita anticientífica. E a razão ganha, nesta visão distorcida do mundo, ares de religiosidade. Ciência passa a ser apenas aquela metodologia que não dá respostas universais nem, principalmente, faz perguntas. O abandono da universalidade para a mesquinha visão particularista, bem ao gosto do liberalismo econômico, passa agora a ser a etapa superior da reflexão. Operam-se computadores todos os dias, a toda hora, em todo o mundo que abre e fecha seus windows para o globo, sem que se saiba minimamente o que é isto.

É que o mundo já não interessa. As pessoas são sempre iguais. Porque a vida, também, fez-se o mais banal dos mistérios - para o qual não há explicações, nem perguntas, nem paixões.

1 comment:

Amanda Lacerda said...

Belo e triste texto. Queria escrever bem assim, que nem vc...

bjos