28.3.11

Pós-modernidade

Um dia acaba cessando o encanto pelas cores do plástico, das luzes, da cidade à noite, da fumaça dos cigarros levada no ar, das conversas pelas ruas com goles de pinga - tudo passa a ser um tanto pequeno e monótono, em sua eterna reprodução do mesmo. É que a vida se amesquinha quando crescemos. Fugindo do trabalho, do consumo e das massas, sair com os amigos já não tem aquele sabor. Ouvir as pessoas já não é tão significativo. Também, a maior parte dos seres que atravessam o caminho, dia a dia, não é livre; está presa ao trabalho. Vendendo corpos por salário, aí estão em catracas de ônibus, caixas de supermercado, bombas de gasolina, apartamentos em faróis, sono de trens da manhã e calores de ônibus nas tardes; e ainda mais, dão agora humanamente a inteligência, a voz, a face.

E não tenho a menor vontade de lhes dirigir a palavra. Pode ser o efeito colateral de um outro processo, igualmente chato. Ao longo do dia é inevitável passar por lugares, máquinas, gente - que maquinalmente lhe dá bom dia, obrigado por ter vindo, agradecemos muito pela confiança, esperamos te ver de volta -, e todos sorriem-nos, com seus caninos demasiadamente brancos e metálicos. Porque até as máquinas tem dentes. Entre robôs-humanos e humanos-máquina, tem aparecido atrevidamente a pergunta e a raiva: Obrigado pelo quê? E como esperam me ver de volta? Nunca olharam para mim, quanto menos ver. E quanto mais falam, menos dizem coisas. E por que sorriem, meu deus!, não sabemos todos que nossos interesses comuns estão sempre amputados por este interesse particular que nos obriga a sorrir?

Não se pode impor limites à loucura - esta tremenda falta de bom-senso. Mas a distância que a linguagem tomou da realidade atingiu aqui um patamar incomum. Sócrates perdoaria aos sofistas o atrevimento destes homens que, pela primeira vez, descolaram o pensamento do mundo, fazendo a lógica funcionar apenas em conformidade a si mesma e apagando as verdadeiras conexões com o mundo. Porque, naquele tempo, o que ensinavam estes professores particulares, mestres pioneiros da retórica, era que se podia, muito bem, defender interesses privados encobrindo-os com o manto do interesse comum; daí até o questionamento de que uma verdade absoluta era inacessível, foi só um passo. Hoje, porém, foi-se muito além. Sequer sabe-se qual é o interesse comum, qual é o particular; e a verdade, palavra maldita, foi para sempre banida do vocabulário, do pensamento e da linguagem.

2 comments:

Leco Vilela said...

ótimo texto!

Carol said...

rapaz, que texto é esse?
tô cheia de pontos de exclamação na cabeça depois dessa.