16.10.09

Preferências artísticas

No movimento da humanidade, desde a antiguidade ágrafa até hoje, aparece um grande esforço construtivo, um movimento de permanente construção e autoconstrução dos homens, com grande vantagem para nós, que vemos este progresso do topo – e com grande destaque para a arte, em todo este processo. Mas tenho percebido que toda vez que se esboça uma definição de arte baseada em perspectivas histórica ou social, aparece uma condenação: esse ponto de vista é limitado. Isto é intrigante. Pode uma obra de arte estar desvinculada da sociedade que a produz? De outra maneira, se a perspectiva histórica é limitada, qual a seria a mais abrangente das perspectivas? Eu não sei. O que sei é que quando vejo que nos meus autores preferidos aparece muito forte o peso da crítica social, uma coisa me perturba. Não pela repetição da mesma crítica; dificilmente poderia haver retrato artístico da atual sociedade sem crítica, para haver um mínimo de honestidade intelectual. O que incomoda é a ideia de que "meus gostos" não são meus, mas produto do meu tempo – essa é talvez a coisa incômoda na história. Se o que me particulariza, aquilo que me faz singular, são as minhas preferências, os meus gostos, saber que são eles, em grande parte, fabricados por uma teia industrial sem a qual eu não poderia tê-los – isto não agrada a ninguém. E, a pensar assim, teríamos que repensar também que como indivíduos nada temos de inato; tudo o que temos/somos se fez a partir de relações sociais, de amizades, de trabalho, de estudos, de compra e de venda, que não poderiam haver de jeito algum há míseros 400 anos atrás. E aí fica a subjetividade reduzida a um mero produto da história. Se isto por um lado reafirma a determinação histórica da arte, da espécie humana e de tudo, por outro lado cria um problema: posso gostar de ler romances do XIX, mas detestaria ter de abrir mão dos do XX. Quanto à música, igualmente, se ouvisse só pianos e violoncelos certamente que não seria o eu que agora sou. O que, numa perspectiva futura, leva a perguntar: o que acharão desta nossa arte, desta nossa vida, destes nossos gostos, daqui a cem anos? Com certeza, terão outros "gostos", talvez que ainda gostem dos nossos, mas, tendo outros, serão também outros. E, assim, essa coisa do movimento mostra também um lado destrutivo, com prejuízo para isso que agora somos.

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