26.10.09

Sobre a escola

Eu fui enganado. Ou melhor, enganei-me. Pensei que a escola podia ser uma coisa que não pode ser. Desconfio que ajuda mais a manter as coisas como estão do que a transformá-las. Falo da minha, é claro, mas com alguma perspectiva de generalização. O principal está nas contradições: muitos professores têm claro seu papel no sentido de melhora do mundo, o que passa por formar uma cidadão crítico. Isto está em todos os objetivos de quaisquer programas, projetos ou currículos. Muitas vezes está até em algumas atividades desenvolvidas com alunos. Porém, não se colocam eles, ou melhor, não nos colocamos nós como sujeitos disso; em uma palavra, nós não somos críticos. O resultado é que muitas coisas importantes não são bem explicadas. Quantas vezes ouvi de alunos perguntas do tipo: professor, pra que isso é importante? De fato, muito do currículo não tem importância nenhuma. Talvez até tenha, mas eu não vejo – e isto não é pouco, afinal, sou 'especialista' no assunto. Donde decorrem duas conclusões mutuamente excludentes: a) eu e muitos colegas não temos boa formação, pelo menos suficiente para responder bem a esta pergunta da importância; ou b) temos boa formação, o problema é que metade do currículo não tem importância alguma. Se desconsiderarmos o mercado de trabalho, talvez dois terços do currículo deixem de fazer sentido.

Na melhor das hipóteses, quando sei a resposta da pergunta – que às vezes vem formulada assim: "por que estou aqui à força?" –, lembro ter somente 50 minutos de aula. Responder a perguntas realmente importantes, como essa, para um número razoável de alunos, torna-se inviável – e o peso do currículo aparece aí também. E o pior: como ensinar alunos a lutarem por seus direitos, quando nós não lutamos pelos nossos, quando vemos dia a dia serem cortadas até nossas faltas abonadas. Fico imaginando que influências não se transmitirão, meio que subliminarmente, mais pelos exemplos que pelas palavras. É uma coisa que se vê na simples e usadíssima resposta a perguntas tão desafiadoras quanto aquelas: "Não sei". O que faz pensar: pode haver crítica na ignorância. E, de fato, muitas coisas, como mudar a prova da primeira para a segunda aula, não nos são explicadas. Isso quando temos a coragem de admitir que não sabemos. Quando não enrolamos e respondemos qualquer coisa. Quando damos uma resposta sucinta (o tempo manda), que pouco explica. Tudo acaba se resumindo num dar conteúdos. Num contato que mais parece entre coisas que entre pessoas. Rápido. Mecânico. Insípido. Alienante.

3 comments:

Thiago said...

Pretendo educar meus filhos em casa, ou numa escola livre, libertária, onde eles aprendam o que lhes apetecer... Fico imaginando como serão os meus dias lecionando numa escola tradicional, chego sempre à conclusão de que os dias mais tesudos serão aqueles em que a irresponsabilidade vier à tona. Linhas de fuga. Desterritorialização. Nomadismo. Carpe Diem.

CdoRock said...

O que teria importância? O que faz dinheiro? É este o pensamento atual, e fica difícil fugir dele. Fugir pra onde, com que perspectiva? Hoje as pessoas estudam para ter emprego. E conheço mocinhos abandonando os estudos para serem pedreiros, ou carregadores de mercadorias. Têm pavor de lidar com o público, de precisar falar, construir frases, raciocínios, não são e acham que nunca serão "articulados". Lembro até hoje da professora Márcia comparando a análise sintática com uma equação. É o mesmo raciocínio, ela dizia. E pra que serve a matemática mesmo? Tenho uma sombra na minha memória que fala no desenvolvimento do pensar, no exercitar o cérebro. É preciso algum esforço para sermos articulados, entendermos o mundo à nossa volta, e talvez a matemática e a língua sejam tão fundamentais por isso. São as ferramentas para o entendimento. O conteúdo vem com as outras matérias: a geografia, a história, a filosofia. A escola nos deveria nos tornar pensantes, bem informados, e críticos. Não ignorar as mazelas do capitalismo selvagem, mas também não se anular por causa delas. Para evitar, como num livro que li, que "cultivemos em nossas crianças a falsidade e a submissão". "Para que, quando adultas, não humilhem os mais fracos nem se humilhem diante do mais forte". No entanto, Rok, vivemos um tempo de barbárie, e é muito difícil sobreviver a isso, quando nem ao menos conseguimos enxergar alguma importância no que somos ou fazemos.

Leco Vilela said...

O mercado quer burros de carga, formigas executando suas funções e de preferencia sem respirar, apenas 5% dos trabalhadores são necessários com alto nivel e conhecimento.

Você conhece algum aluno que recebe bolinhas de papel na cabeça? Simplesmente pq tem dúvida, por que perguntar de mais, por que quer entender? Você já sentiu que o professor te "odéia" por fazer perguntas e não deixar ele seguir os seus 50 min de aula?... as perguntas mais idiotas, mais pequenas tem seu valor... responder só as grandes perguntas é construir um teto sem paredes que no fim só vai esmagar alguem!