17.3.10

Estado, escola e professores em SP

O Estado tem orgasmos múltiplos sobre nós – dizia-me Alex, um amigo que acaba de conhecer a máquina por dentro. De fato, uma vez dentro, pode-se ver até onde nos explora, e de tal maneira e com tal intensidade, que chega a lembrar a mais grotesca das explorações, que é a sexual. Alex é um professor em formação. Estudante, com um ano de curso, já pôde ingressar na educação e lhe foram atribuídas 18 aulas de sociologia, no ensino médio. Sua fala baseia-se principalmente neste sistema de atribuição de aulas, que passou por modificações recentemente.

O Estado de São Paulo estabeleceu algumas avaliações para seu corpo docente, e uma delas implicava em favorecer os melhores colocados numa das provas com a preferência na escolha das aulas, independentemente de sua categoria. Em São Paulo, embora todos realizem o mesmo trabalho, os professores estão divididos em permanentes (130 mil) e temporários (100 mil). Os temporários, por sua vez, dividem-se em subcategorias, como ACT (admitido em caráter temporário), OFA (ocupação de função atividade) etc. A categoria OFA, por sua vez, subdivide-se em mais subcategorias, a saber, F, L e agora já se ouve falar em categoria V. Não me perguntem o que são essas coisas, que também não sei. Esses 230 mil profissionais da categoria paulista, envoltos nessa fragmentação – que resulta em diferenças de quantidade de aulas, de salário, de direitos trabalhistas etc. – geralmente leem esta separação em castas sob duas perspectivas: a) administrativamente, como uma forma de reduzir custos ligados à contratação e pagamento de um profissional efetivo (o que explica como um estudante em formação pode ser também professor); b) politicamente, como uma maneira de dividir a classe, que mesmo dividida faz barulho e dá trabalho. A primeira leitura é majoritária, apesar de incompleta. O dado político é importante.

Na atribuição, Alex chega, estudante, e senta-se ao lado de um profissional antigo, já professor há anos. Alex, como muitos outros estudantes, foi melhor classificado na prova que grande parcela dos professores já formados e em atividade. O clima não é amistoso. O professor ao lado é de educação física, o que não vem ao caso, pois a primeira coisa que ele diz é:

– O que é que v. é: O, F ou L?

– Sei lá... diz aí: o que é que eu sou?

O professor também não sabe, é difícil saber.

– Meu, se algum desses categoria O pega minhas aulas, eu pego esse cara, eu quebro ele. Eu acabo com um cara desse. Quê que v. acha?


– Eu acho que v. tá certo...

Isto é o que Alex achava, porque, como mais tarde se veio a saber, Alex ainda não sabia o que era; logo depois descobriu ser exatamente um O. Se politicamente ou administrativamente é interessante ao Estado transformar os professores em letras, para os remunerar mal ou os dominar ideologicamente, o que é um efeito positivo, por outro lado acaba lidando com um efeito colateral: má qualidade do trabalho. Ora, se numa mesma escola convivem profissionais que se odeiam em tantas direções quantas forem as castas, jamais trabalharão em cooperação, para não falar da instabilidade política e do ambiente de competição selvagem. Resultado: um problema educacional aparentemente insolúvel.

Considerando tudo, é inacreditável que a Apeoesp, o sindicato dos professores, consiga juntar 20 mil pessoas nas ruas protestando contra o governo. Ainda que sejam só 5 mil, como diz a polícia, continua inacreditável. É inacreditável o nível de desentendimento, de conflito, de rebaixamento das nossas relações sociais. Se eu não vivesse tudo isso, não acreditaria.

1 comment:

Leco Vilela said...

não tinha idéia de que isso acontecia.