14.1.08

Isadora Ribeiro de Alcântara

Isadora Ribeiro de Alcântara, 32 anos, dentista, tinha uma angústia, uma aflição, um diabo dum negócio que apertava a garganta. Daí que hoje, chegando em casa, não guardou compras, não tirou sapatos, não checou emeiols, não alimentou a calopsita, não tomou banho, não deu aquela cagada, não nada. Caiu-se no sofá, e foi pensando naquelas indecentes marcas de batom encontradas ontem à noite na cueca do marido. Que obviamente não eram dela, ora. Tinha tanto horror a sexo oral, que não facilitava, e ia mantendo seus lábios sempre acima da terceira vértebra lombar. Alegava motivos religiosos, mas a desconfiança do marido, e minha também, é que assim ganhava terreno na defesa de seu próprio cóccix. Quando ele finalmente chegou da faculdade (era professor), pudera!, estranhou aquele desmazelo: “Amor, tá tudo bem?”, “Hein!”, e levantou-se sobressaltada, baixando a saia que subira até a cintura, “Sim, cochilei”, foi o que respondeu, e mais não disse, foi levando pra cozinha as porcarias congeladas que tinha trazido. O marido que preparasse a janta, ele adorava cozinhar, isso todos sabiam. Jantaram em silêncio. Dormiram.

No dia seguinte, que seria amanhã, mas como chegou agora fica sendo hoje, Isadora acumulou funções, obturando dentes e planejando uma vingança cheia de inteligência, cálculo e acessórios digitais, no que resultou em algumas gengivas cortadas e na obturação de um dente que não precisava. Quando despediu-se do último cliente, que sentia estar com a boca torta (e estava mesmo), o telefone tocou, e era ele avisando que precisavam conversar em tal lugar, mais para ali, entrando à esquerda depois daquele motel, fazendo um gato pra pegar o retorno e outras infrações que ninguém multa, nem mata ninguém. Foi. E lá ele confessou ter um caso e querer o divórcio. Era só o que faltava. E Isadora passou anos a se perguntar de onde teriam vindo as marcas de batom, já que, como depois veio a saber, ele tinha mais era ido morar com um aluno por quem se apaixonara, menos pelas idéias brilhantes do que pelo corpo adolescente e os ideais de ateísmo e revolução social. Tão românticos e belos.

2 comments:

CdoRock said...

O adolescente poderia ser um cross-dresser. Será que idéias assim passam pela cabeça de quem não faz sexo oral?

Rok said...

Fábio, o sr. é desagradável. Acabou de solucionar o mistério do batom na cueca, que seria revelado somente numa segunda parte da história que ainda nem tinha escrito, mas que teria a isadora fazendo toda uma espionagem da vida íntima do ex-marido. Muito obrigado. Bolas...