Quando eu tinha uns cinco anos, morava no sertão, e via meu avô levantar-se, enxada ao ombro, lidar no roçado. Era agricultor, pequeno, mas tinha lá umas covas de feijão, arroz em inverno bom, milho em tempo ruim, algodão em tempos duvidosos, melancias às vezes espalhavam-se pelo chão. Era um homem da terra. Todos nós. Um dia, pela manhã, alcancei uma enxada pelos terreiros, ganhei os mundos, atravessei os matos e, num terreno escondido, bem antes de nascer o sol deixei enterradas algumas sementes de feijão. Uma dúzia, disposta em duas filas de seis covas. Era tudo o que eu tinha. Não me lembro se cheguei a regá-las, talvez tenha feito. O que lembro é ter passado por lá todos os dias, bem cedo, a inspecioná-los – ainda não me haviam posto numa escola. Não semeei copos plásticos com algodão.
O fato é que, alguns dias depois, quando limpava o solo, calculei mal uma enxadada, e a lâmina afundou-se na terra perigosamente próxima à raiz do primeiro pé da fileira da esquerda. Não dei importância. Mas, no outro dia, notei a cor mais clara em suas folhas. Fiquei preocupado. Os dias seguintes foram mostrando por quantas muitas gradações pode passar um verde em caminhar ao cinza. Em cada novo matiz, um novo corte separava um único pé de feijão de outros onze – e isso eu via, ferido cotidianamente por um único golpe que havia desferido. Descobria, pela primeira vez, o sabor de chorar, sem testemunhas, diariamente, por uma coisa misteriosa que não entendia bem, mas compreendia perfeitamente.
Não voltei a pensar nisso. E quase ia me esquecendo.
2 comments:
fico feliz por essa literatura!
Poético, como sempre...
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