15.8.10

André Singer e As raízes sociais e ideológicas do lulismo

Costuma-se dizer, em tom de piada, que o Brasil é o único país onde pobre é de direita. Ora, isto é meia verdade, mas não chega à verdade. Afinal, o conservadorismo dos pobres não é privilégio do Brasil. Quando escreveu O 18 Brumário de Luís Bonaparte, Karl Marx notou fenômeno semelhante na França de 1848.

O fato é que eu já tinha lido este artigo de André Singer, a respeito do lulismo, graças ao Luiz Nassif que o havia mostrado no seu blog no começo deste ano. Mas só agora é que pude fazer uma leitura correta, percebendo os fios sutis das ideias tecidas no texto, discutindo com o autor, lendo os outros com quem ele discute. A conclusão é que a leitura que faz o Singer, sem prejuízo de que tenha sido porta-voz do Lula no primeiro mandato (talvez isso tenha ajudado mais que atrapalhado), é muito coerente. E já vem de alguns anos. Parece mesmo ter começado com o pai, Paul Singer, que em 1980 notou, para além da clássica categoria "proletária", uma classe "subproletária" na particularidade da objetivação capitalista do Brasil. Seriam subproletários aqueles que “oferecem a sua força de trabalho no mercado sem encontrar quem esteja disposto a adquiri-la por um preço que assegure sua reprodução em condições normais”. Estão nessa categoria “empregados domésticos, assalariados de pequenos produtores diretos e trabalhadores destituídos das condições mínimas de participação na luta de classes.” E esta gente é: 1) numerosa, metade da população; 2) de direita, por absurdo que pareça.

Diz Singer:

"O tripé formado pela Bolsa Família, pelo salário mínimo e pela expansão do crédito, somado aos referidos programas especíicos, resultaram em uma diminuição significativa da pobreza a partir de 2004, quando a economia voltou a crescer e o emprego a aumentar. É isso que Marcelo Neri chama de 'o Real de Lula': 'No biênio 1993-1995 a proporção de pessoas abaixo da linha da miséria cai 18,47% e, no período 2003-2005, a mesma cai 19,18%.' "

"O pulo do gato de Lula foi, sobre o pano de fundo da ortodoxia econômica, construir uma substantiva política de promoção do mercado interno voltado aos menos favorecidos, a qual, somada à manutenção da estabilidade, corresponde nada mais nada menos que à realização de um completo programa de classe", ou, pelo menos, de uma fração dela.

Viu-se que, enquanto eleitores de escolaridade superior se dividem igualmente entre esquerda, direita e centro (em torno de 31%), os de baixa escolaridade preferem a direita (44%). Não se avançou a construção de uma hegemonia político-cultural de esquerda. “Em que pese o sucesso do PT e da CUT, a esquerda não foi capaz de dar a direção ao subproletariado, uma fração de classe particularmente difícil de organizar.” Excetuando casos como o MST, o subproletariado tende a ser organizado desde cima, como observou Marx em 1848 a respeito dos camponeses franceses e como o faz agora Lula. “Atomizados pela sua inserção no sistema produtivo, necessitam de alguém que possa, desde o alto, receber a projeção de suas aspirações.

O popular que havia ficado fora de moda, seja pela retórica da modernização, ao centro, seja pelo discurso de classe, à esquerda, está de volta. Diferentemente da experiência peessedebista, o 'Real de Lula' veio acompanhado de uma mensagem que faz sentido para os de menor renda: pela primeira vez o Estado brasileiro olha para os mais frágeis e, portanto, se popularizou. Essa é a razão pela qual o presidente insiste que 'nunca na história deste país… etc. etc.'. Irritados, os supostos 'formadores de opinião' não percebem que Lula não está se dirigindo a eles e insistem na tecla de que a história não começou com Lula, o que é verdade, mas ouvido vários degraus abaixo, o bordão adquire outro sentido.

O relativo desinteresse de Lula pelos 'formadores de opinião' significa que o realinhamento tirou centralidade dos estratos médios, que eram mais importantes no alinhamento anterior.

Em suma, vale a pena a leitura.

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