13.8.10

O caráter fetichista da mercadoria e seu segredo

À primeira vista, a mercadoria parece uma coisa trivial, evidente. Analisando-a, vê-se que ela é uma coisa muito complicada, cheia de sutileza metafísica e manhas teológicas. [...] É evidente que o homem por meio de sua atividade modifica as formas das matérias naturais de um modo que lhe é útil. A forma da madeira, por exemplo, é modificada quando dela se faz uma mesa. Não obstante a mesa continua sendo madeira, uma coisa ordinariamente física. Mas logo que ela aparece como mercadoria, ela se transforma numa coisa fisicamente metafísica. Além de se pôr com os pés no chão, ela se põe sobre a cabeça perante as outras mercadorias e desenvolve de sua cabeça de madeira cismas muito mais estranhas do que se ela começasse a dançar por sua própria iniciativa.

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De onde provém, então, o caráter enigmático do produto do trabalho, tão logo ele assume a forma mercadoria? Evidentemente, dessa forma mesmo. A igualdade dos trabalhos humanos assume a forma material de igual objetividade de valor dos produtos do trabalho; a medida do dispêndio de força de trabalho do homem, por meio de sua duração, assume a forma da grandeza de valor dos produtos de trabalho; finalmente, as relações entre os produtores, em que aquelas características sociais de seus trabalhos são ativadas, assumem a forma de uma relação social entre os produtos de trabalho.

O misterioso da forma mercadoria consiste, portanto, simplesmente no fato de que ela reflete aos homens características objetivas dos próprios produtos de trabalho, como propriedades naturais sociais dessas coisas e, por isso, também reflete a relação social dos produtores com o trabalho total como uma relação social existente fora deles, entre objetos. [...] Não é mais nada que determinada relação social entre os próprios homens que para eles aqui assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas. Por isso, para encontrar uma analogia, temos de nos deslocar à região nebulosa do mundo da religião. Aqui, os produtos do cérebro humano parecem dotados de vida própria, figuras autônomas, que mantêm relações entre si e com os homens. Assim, no mundo das mercadorias, acontece com os produtos da mão humana. Isso eu chamo o fetichismo que adere aos produtos de trabalho, tão logo são produzidos como mercadorias, e que, por isso, é inseparável da produção de mercadorias.

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Como os produtores somente entram em contato social mediante a troca de seus produtos de trabalho, as características especificamente sociais de seus trabalhos privados só aparecem dentro dessa troca. [...] Por isso, aos [produtores] aparecem as relações sociais entre seus trabalhos privados como o que são, isto é, não como relações diretamente sociais entre pessoas em seus próprios trabalhos, senão como relações reificadas entre as pessoas e relações sociais entre as coisas.

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[As grandezas de valor da mercadoria] variam sempre, independentemente da vontade, da previsão e da ação dos que trocam. Seu próprio movimento social possui para eles a forma de um movimento de coisas, sob cujo controle se encontram, em vez de controlá-las. [...] A determinação da grandeza de valor pelo tempo de trabalho é, por isso, um segredo oculto sob os movimentos manifestos dos valores relativos das mercadorias.

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Tais formas constituem pois as categorias da economia burguesa. São formas de pensamento socialmente válidas e, portanto, objetivas para as condições de produção desse modo social de produção, historicamente determinado, a produção de mercadorias. Todo o misticismo do mundo das mercadorias, toda magia e fantasmagoria que enevoa os produtos de trabalho na base da produção de mercadorias, desaparece, por isso, imediatamente, tão logo nos refugiemos em outras formas de produção.

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O reflexo religioso do mundo real somente pode desaparecer quando as circunstâncias cotidianas, da vida prática, representarem para os homens relações transparentes e racionais entre si e com a natureza. A figura do processo social da vida, isto é, do processo de produção material, apenas se desprenderá do seu místico véu nebuloso quando, como produto de homens livremente socializados, ela ficar sob seu controle consciente e planejado. Para tanto, porém, se requer uma base material da sociedade ou uma série de condições materiais de existência, que, por sua vez, são o produto natural de uma evolução histórica longa e penosa.

(Karl Marx. O capital, vol. I, livro primeiro. Trad. Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo: Abril Cultural, 1983, cap. 1, p. 70-3, 76.)

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