6.2.07

O aquecimento global, o nacionalismo, a pobreza e o futuro

De acordo com o tal novo relatório da ONU sobre o clima, recentemente divulgado, a chapa vai esquentar pro nosso lado. Tanto, que tem até gente falando numa elevação climática global de 5ºC em 2100. Países e corporações economicamente relevantes têm outras precupações e, no fundo, no fundo, todo mundo quer mesmo é que se foda o séc. XXII. Até lá as geleiras vão derretendo, o nível dos mares vai subindo, secas aqui, ciclones acolá, inundações ali, e por cá, yesss!, em terras tupiniquins, juntamente com os desmatamentos já foram observados os processos de desertificação que cobrem um terço da Terra. Ou descobrem, melhor dizendo.

A idéia de que por aqui não temos catástrofes naturais, apenas-corrupção-inda-bem, vai começar a esfriar à medida que o XXI for se passando. A ONU diz-que em 2050 a falta d’água talvez já atinja 3 bilhões de pessoas. E não obstante “nosso” imenso manancial hídrico, vou ingenuamente desconfiando que algumas serão brasileiras. A seca já é um problema bem conhecido nosso, se não para o lado rico do país, certamente para a região mais pobre e populosa, o Nordeste. E, no final, quem vai pagar a conta inevitável, a gente já sabe, são os mais pobres. Ou seja, não é todo mundo que vai entrar numa fria, com o aquecimento global.

Os mais fortes terão reservado seu lugar ao sol, protetor de pele e água mineral gelada. Se tiver, como diz Gilberto Kassab, algum vagabundo na praia, é só chamar a polícia e liberar a areia. Se aparecer muito pobre enchendo o saco, basta comprar, cercar tudo e fazer um condomínio fechado. É assim que faz Antônio Ermírio de Moraes, que, patriótico, ainda afirma ser um exagero dizer que nosso país é um dos que mais devastam a natureza (“O mundo e o meio ambiente”, Folha, 04/02/07). Pode até ter razão nisso, resta saber se o país é mesmo “nosso”. E mesmo que tenha razão, num momento em que países deveriam se unir para enfrentar a degradação ambiental, sua atitude reflete hoje em dia o que mais se vê mundo afora: o nacionalismo ou a defesa de interesses particulares.

É mais ou menos por aí, como Moraes, que os EUA raciocinam quando não dão bola alguma ao Protocolo de Kyoto: “Que temos a perder? Somos a mais desenvolvida nação do planeta, os aliados estão agora espalhados por todo o mundo, temos um invejável arsenal bélico... Ora, controlem vocês suas emissões de CO2!” E, no fim das contas, se faltar alguma coisa aos ianques, água ou petróleo, já têm um bom motivo para pelo menos uma guerrinha de conquista da Amazônia: Hugo Chávez. E a Venezuela que se cuide.

Quem bloqueia o caminho das grandes corporações capitalistas – e elas não são só americanas – tem grande chance de ser eliminado. A maior preocupação destas organizações não é o bem-estar das pessoas, não é a construção do bem comum e nem tampouco a preservação dos mais diversos ecossistemas do planeta. Seu caminho não é feito por príncipios, os seus passos se baseiam na trapaça, a artimanha é condição para vitória e o lucro é quase individual. É com este espírito que o grupo petrolífero ExxonMobil ofereceu dinheiro a cientistas para que escrevessem artigos colocando em dúvida as conclusões do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change)1. Isso não serve apenas para mostrar até onde vai a irresponsabilidade dos executivos; alerta também que se os relatórios da ONU não servirem para mudar a retórica beligerante das grandes corporações2 e, principalmente, dos EUA, o maior poluidor, não vão servir pra nada, nem pra ninguém. E o planeta que se cuide.

E eu não sei quanto a vocês, mas acho que esta é mais uma boa razão para não ter filhos. O que vimos até agora aponta que esse mundão vai ficar um lugarzinho bem ruinzinho pra viver no futuro. E, como disse Brás Cubas, se os tivermos, aos filhos, será apenas para transmitir “o legado da nossa miséria”. E o disse muito bem, porque esta, sim, é “nossa”.

Notas:

1. O fato, matéria do jornal britânico Guardian em 02/02, convenientemente abordado no mesmo dia pelo reverso, causou a reação de cientistas: “Climate scientists described the move yesterday as an attempt to cast doubt over the ‘overwhelming scientific evidence’ on global warming. ‘It's a desperate attempt by an organisation who wants to distort science for their own political aims,’ said David Viner of the Climatic Research Unit at the University of East Anglia.”

2. Não é de hoje que a Exxon tenta sabotar o trabalho do IPCC. Veja-se a reportagem da Folha de 02/09/02.

3 comments:

Reverso said...

Opa, Roque.
Legal o seu texto. E sem problemas em citar o reverso, disponha.
Abraços
R.B. - d'o reverso...

Rok said...

Obrigado. Qualquer coisa, é só fazer a sua "reclamassão". Que aqui a gente não é como Kassab não, aqui a gente escuta, dá tapinha nas costas e até reflete sobre depois.

pinhacolada said...

Olá, Roque. Tou lendo o seu blog aqui em Portugal e gostei deste último post. Aqui, exceptuando alguns especialistas, quase ninguém liga a esse assunto. O Al Gore está neste momento em Portugal apresentado o documentário"Uma Verdade Inconveniente" e fazendo palestras pagas a peso de ouro.Mas enfim...A televisão estatal vai dar esta noite um grande destaque.
Abraço