Sábado, pus-me pra fora do abc paulista e fui à capital, até a praça Roosevelt ver os "120 dias de Sodoma". Não sei se fiz bem em revê-los. Fazia tempo que não passava pelo centro velho. E agora, além das crianças malabaristas, pirotécnicos, limpadores de parabrisas, mendigos enrolados em cobertores imundos – temos novos rituais de contato. Na esquina da Ricardo Jafet com a avenida do Estado, um menino de uns 11, 12 anos, antes do show, subiu na linha branca, olhou-me de frente, levantou a camiseta (só de camiseta num frio do caralho), virou-se de costas, voltou-se outra vez, baixou a camisa, fez um leve aceno com a cabeça e começou o espetáculo. Na Ipiranga com a Rio Branco, um morador de rua aproximando-se de um carro, de novo, mostrou ao motorista que não portava armas na cintura, e só então aproximou-se dos vidros sujos.
Andar pelas ruas é como travar contato com mundos os mais desconhecidos, etnias as mais diversas, costumes os mais estranhos, linguagens as mais absurdas, seres humanos os mais improváveis, relações humanas as mais desumanas. Fiquei perturbado sem saber como responder, ou não responder, se mostrar boa vontade, se me esconder, se expressar menos medo (expressei medo?), se corresponder à confiança, se duvidar das falsas amistosidades, se mostrar que não sou perigoso, dar a moeda, não dar a moeda, viver, morrer, viver, morrer...
Não é pra menos que a gente viva morrendo todo dia. Há muito tempo encena-se uma história da humanidade, com os mais horrendos crimes, hipocrisias e degradações, violentamente apagados pela alegria contagiante e final de quantos carnavais puder fazer a indústria. A gente demora a entender que não deve cantar a música.
2 comments:
Ah, que bunitinho, você me citou lá embaixo. Fiquei vermelho agora...
E você de novo vendo a peça? Já viu Justine? Eu queria ver 120 dias de novo; e você nunca se lembra de mim nessas horas. Adoro ver um daqueles atores...
A propósito, você precisa ler os originais. Sabe que ainda não consegui ler os 120 dias? Comecei, mas aí vi o filme, fiquei meio sensível, e deixei pra lá. Mas os originais do Sade são importantíssimos. Filosofia na Alcova é o principal, na minha opinião, pois condensa melhor os pensamentos dele.
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