27.10.10

Meu voto

Andei preocupado toda a semana com o fato de que não havia definido ainda meu voto: nulo ou Dilma. E ainda agora duvido. O certo é que não voto em Serra, tanto por suas conversas, quanto por suas ideias, cada vez piores. A favor de Dilma, pesa isto que disse Singer, e também isso que diz a história. Mas as conversas inocentes, sei bem que não são privilégio de José Serra e Joaquim Roriz. E com todas as limitações do governo Lula-Dilma-PT, e do sistema representativo, e desta tão falsa democracia liberal que temos, limitações amplamente conhecidas na órbita do modelo social problemático que a história nos deixou – o voto nulo aparece como uma opção justa.

De qualquer modo, o que bem pouco tem aparecido, e isso quase passou despercebido, é que na verdade, no embate Serra-Dilma, está claramente posto um embate entre neoliberalismo, de um lado, e do outro uma mistura varguismo-desenvolvimentismo-neoliberalismo, com estado forte, se é que é possível. A segunda opção aparece como menos pior, no sentido de que privatizações, pedágios, sucateamento de educação e saúde, estado mínimo, marcas evidentes do Consenso de Washington, não devem ser ampliadas. Com Serra, tudo é possível, e vale recordar o que foi a disputa pelo governo paulista, com Mercadante criticando a política mercantil de Alckmin para as rodovias, e este defendendo-a corajosamente. E ganhou a eleição em primeiro turno, sem uma proposta minimamente revolucionária para a educação em São Paulo. Parece que a sociedade inteira jogou a toalha, e todos passaram a aceitar a falência do ensino público. Como chegamos a isso? E onde chegamos... O que pode mostrar que o pensamento neoliberal fincou raízes no eleitorado paulista - que não vê nada melhor além disso, uma pena, deus...

De todo modo, votando nulo ou em Dilma, uma coisa pra mim vem ficando bem claro. Voto, de qualquer tipo, quer dizer muito pouco. As opções entre candidatos são muito parecidas. Intervém talvez mais na política, contribui mais para corrigir a direção de um povo, é mais senhor de si e da sua liberdade - não aquele que vota. Mas aquele que critica, conversa, convence, é convencido, organiza grupos, greves (ou as desaconselha, quando pareçam porralouquice), reconhece as muitas formas de opressão e faz algo, lê jornais (e duvida deles, e faz outros duvidarem também), estuda, age, vai ao extremo possível do radicalismo quando é preciso - e pode haver momentos em que este extremo não é sair às ruas, mas ficar em casa; não estar em grupos, mas estar sozinho. Inventar coisas úteis para a humanidade pode ser tão útil quanto pensar nelas. Isto tudo, esta perspectiva, creio que importa muito mais. Figuras que pensaram assim povoam os livros mesmo da história recente, e não consta que seus votos pessoais tenham tido tanta importância. Importa mais uma página que Paulo Freire escreveu do que todos os votos que tenha dado. É isto que penso ser o significado de dizer que há política além das urnas.

Se por acaso decidir ir à praia no domingo e não votar, certamente estarei de volta na segunda. E hei de trabalhar toda a semana, meses, anos. E esta vida diária, falada, ouvida, conversada, sentida, chorada, decidida, feita e retransformada todos os dias - tem muito mais valor.

1 comment:

Leco Vilela said...

Adorei a explanação... e de fato as coisas estão no dia-a-dia. Quanto ao nulo, as pessoas esquecem que não são votos jogados fora, como tantos praguejam, são votos computados e divulgados...

Boa semana!