23.1.07

“Há ordens a que obedecemos com prazer”

– ?

– Vai ou não?

– Mas eu tento-que-tento e num consigo entender esse negócio de pronome relativo, prô?

– Se você estudasse mais...

– Ai, prô, mas eu tento, eu tento, Deus tá vendo...

– Olha, é mais ou menos o seguinte: a palavra “ordens” já tem um compromisso: é complemento, objeto direto de “haver”, na primeira oração. É como um casamento deles. Mas aí, acontece o seguinte: essa palavra é muito danadinha, muito cheiinha de fogo, quer-porque-quer pular a cerca, ir pra outra oração, completar o sentido de “obedecer”, e isso é praticamente uma traição. Diriam os religiosos Estevam e Sônia Hernandes: “isso é um sacrilégio!”. Mas dá-se um jeito, ela vai, num tem conversa não, quando mulher quer dar, num tem marido que segure. E como você sabe, o verbo “obedecer” é transitivo indireto , e está lá na segunda oração, bonito, solteiro, com a sua “preposiçãozinha” preparada, doidinho pra pegar o complemento verbal do vizinho, chifrando-o, por assim dizer. Mas há um problema: o vizinho, “haver”, não pode descobrir nada. Então, “ordens” vai, se disfarça de “que”, se traveste, se entrega como complemento ao verbo “obedecer”, vira “objeto indireto” dele, usando o laranja do pronome relativo, e ninguém nem num percebe nada. Só a gente, que é gramático, tá vendo essa senvergonhice toda, claro. O resto das pessoas comuns (médicos, engenheiros, donas-de-casa) nem vê nada. Apenas falam a língua, usando essas estruturas pecaminosas do pronome relativo. E sabemos todos, inconscientemente, que a palavra “ordens” tanto completa o sentido de “há” como o sentido de “obedecemos”, mas nem se imagina os estratagemas de que ela usa pra estar nos dois lugares ao mesmo tempo e consumar sua traição, conspurcando os nossos valores cristãos. Isso é um absurdo!

– Aaaaaaahhh! Com sacanagem eu entendi.

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