31.1.08

Praia do Sono

No município de Paraty, extremo sul do Rio, há um coletivo que faz o percurso de uma hora do centro da cidade até o condomínio Laranjeiras, com fama de “o mais sofisticado do Brasil”, quiçá da América. Nos meses quentes é para lá que vão Antônio Ermírio de Moraes, os Maluf, os Camargo (da empreiteira Camargo Corrêa), e outros, e vão de helicóptero. Como a gente não tem um, uma vez no Laranjeiras seguimos a pé pela trilha de uma hora que leva à Praia do Sono, nosso destino. Era réveillon.

















Confesso ter me surpreendido com a natureza conservada do lugar, levando em conta a quantidade de gente que o habita (imagino não passar de 200 pessoas). Sem energia elétrica, sem escolas, sem estradas, meio que sem perspectivas, e ainda sofrendo diversas pressões para se retirarem do lugar, os habitantes resistiram e transformaram o terreiro de suas casas em quiosques, cafés, pequenas mercearias, áreas de camping, e sobrevivem do turismo. Pensando em inovação, desenvolvimento sustentável e proteção às matas, achei até um bom exemplo de exploração do potencial ecoturístico brasileiro. Não? Não. Nem todos pensam assim.
A mata atlântica é o bioma mais ameaçado do país e o segundo mais ameaçado do mundo; só perde para as já quase inexistentes florestas de Madagascar, no sudeste da África. Em 2006, após dura luta com a bancada ruralista, foi aprovada a Lei da Mata Atlântica, que regulamenta o uso e a proteção da floresta. A lei é ambígua. É boa, mas deixa a sensação de que veio tarde – não só porque passou quatorze anos em trâmite pelo congresso, mas principalmente porque hoje restam só 8% da configuração original da mata – e a desconfiança de que não será cumprida. Mesmo antes dela, no fim dos anos 80, o dono do Hotel Glória, Eduardo Tapajós, queira-porque-queria construir na região uma mansão em estilo palafitiano, metade na praia metade nas águas do mar. A Marinha vetou o projeto, claro. Mas Tapajós era amigo do Sarney, que ajudou a derrubar o embargo, e o bangalô foi construído. Para leis contrárias, nada como o tráfico de influências.

Esta nova lei diz que “é vedada a supressão de vegetação primária para fins de loteamento e edificação”. Se os condomínios detiverem sua expansão, talvez continuemos a contar com este um décimo de mata para as futuras gerações. No entanto, os moradores da Praia do Sono constantemente se queixam de assédio. Embora a maioria não queira sair, alguns moradores venderam suas propriedades, e o Laranjeiras parece ter ampliado seus limites nos últimos tempos. Agora, pensemos: lá existem trezentos lotes de mil metros quadrados, mas a maioria dos proprietários tem mais de dois lotes; cada lote custa aproximadamente trezentos mil dólares; um terço do IPTU arrecadado pela prefeitura provém do condomínio (embora nos seja leviano afirmar que haja elementos favoráveis ao tráfico de influência); uma diária no Laranjeiras custa mil reais em baixa temporada. Supondo que o negócio esteja rentável, o que um administrador de condomínio de luxo faz: respeita a lei ou amplia lotes para venda? Pelas trilhas, já começam a aparecer algumas placas.

O fato é que o modelo desenvolvido pelos caiçaras não agrada. Parece haver um incômodo muito grande em relação ao público recebido, que fica “perigosamente” próximo de uma elite que quer ter exclusividade na contemplação das últimas belezas naturais do país. Soaria quase ridícula essa suspeita, não fosse haver gente como a ambientalista Adriana Mattoso, que há alguns anos apelidou esse turismo de durismo: “o durista de mochila, miojo e drogas tem que ser redirecionado para bem longe...” A adjetivação marginal vem a calhar para fundamentar a exclusão dos indesejados, só não garante a exclusão dos turistas desejáveis do ilícito grupo consumidor. Talvez o problema mesmo seja a combinação mochila-miojo. Faz sentido capacitar a comunidade, profissionalizar os serviços, recuperar a arquitetura caiçara, implantar trilhas, elevar as tarifas, já que o fim último é receber um turista de altíssimo nível. Porém duvido que essa reestruturação não leve a mais desmatamentos: o turista de alto nível jamais aceitará o nível primário de conforto que os duristas adoram. Em todo caso, para nós, pés-rapados, parece estar chegando a hora de desarmar as barracas.

2 comments:

Paz said...

Eu como uma ambientalista,considero essa ideia de almentar o condominio ridicula,essa é só mais uma forma de destruir o pouco que nos resta da natureza.
Sou uma frenquentadora da praia do Sono que considero um lugar maravilhoso uma das praias mais bonitas e preservadas que já conheci,me considero uma "durista" como relata a ambientalista Adriana Mattoso,prefiro ser assim cuidando e protegendo a natureza com o propozito que meus filhos e netos possam desfrutar também de toda essa beleza e paz que ela nos traz,considero que os caiçaras deveriam continuar a abitar esse local por que é eles que ajudam a preservar e manter uma cultura que só se obtem quem mora lá.Esse preconceito de que a praia é frequentada pelos [i]durista de mochila,miojo e drogas[/i] é ridiculo,pois eu como frequentadora da praia do Sono vou para lá a procura de tranquilidade,paz e de desfrutar dos frutos que a natureza nos traz,e não para destruir a natureza ou para marginalizar o local.

Diego DAndrea said...

Muito bom o artigo.
To indo pra lá pela primeira vez, logo após o Natal e volto dia 2 de janeiro.
Vou lá praticar um pouco de Durismo consciente!!